Têm sido cada
vez mais frequentes as ocasiões em que não me revejo nas políticas de quem nos
tem governado. Dito assim e tantas têm sido as enormidades, nem parecerá
estranho, mas desta vez tenho sérias dificuldades para encontrar o adjectivo
adequado para classificar o resultado da última assembleia da CPLP.
Há quem se declare,
como «Ana
Gomes chocada com adesão da Guiné Equatorial à CPLP», mas eu sinto-me para
além de incomodado e muito mais que melindrado ou ofendido com a inclusão
daquele país africano na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; não
bastando a conhecida situação de profunda limitação das liberdades na
Guiné-Equatorial, o regime de Obiang (uma das maiores
cleptocracias conhecidas) ainda se dá ao luxo de gozar com
a própria essência da comunidade internacional que agora o acolheu. É que
embora a região tenha sido em tempo uma colónia portuguesa, é hoje
universalmente reconhecido que os únicos falantes da língua portuguesa no país
serão turistas ocasionais ou os nacionais a quem a necessidade obriga a lá ir
trabalhar. Isto é tanto verdade e a farsa a que assistimos é tal que a
portuguesíssima «Guiné
Equatorial anuncia adesão em várias línguas, menos em português», à CPLP.
Excluída
a afinidade de natureza linguística ou cultural que outro motivo pode
justificar esta adesão? Do ponto de vista do regime de Obiang a CPLP constitui um
refúgio depois da condenação nos principais areópagos internacionais e vai
claramente na confluência de interesses com o regime angolano quando já se fala
que, por passar a representar entre 25% a 27% das reservas mundiais de
petróleo, a «CPLP
prepara consórcio para explorar petróleo», mesmo que a cimeira não tenha
contado com as presenças do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, nem
da presidente brasileira, Dilma Rousseff, pretensamente muito ocupada com as
eleições presidenciais de Outubro num país que ainda não terá esquecido a muito
criticada aproximação entre Lula da Silva, o anterior presidente, e Obiang.
A polémica
adesão dum estado como a Guiné Equatorial não foi naturalmente bem aceite por
vários sectores da opinião pública lusófona, onde além da já referida Ana Gomes
se ouviram vozes como a de João Soares afirmar que a «adesão da Guiné Equatorial é “vergonha e um erro monumental”»,
de Adriano Moreira, para quem «Admitir a Guiné Equatorial na CPLP é “inaceitável”»
ou até o documento onde «50
personalidades assinam apelo contra a adesão da Guiné Equatorial à CPLP»
lembrando que "Os milhões de
dólares que o regime tem investido não conseguem, porém, esconder as violações
de direitos humanos", antes realçam as "manobras de propaganda e de compra
de favores por parte da Guiné Equatorial", que resultaram numa «cimeira da cobiça e da desvergonha»
(como se lhe refere um editorial do PUBLICO)
a ponto de se constatar que a «CPLP dispensa votação e integra Guiné Equatorial».
O que se afigura de todo inaceitável é que a diplomacia portuguesa tenha voltado
a revelar a sua enorme tibieza quando previamente à cimeira já o
primeiro.ministro anunciava que a «oposição
ao alargamento deixaria Portugal isolado», como se em matéria de tal
envergadura uma posição firme constituísse óbice ou opróbrio.
Fraqueza
confirmada com a reacção dum «Portugal
"surpreendido" por "incidência protocolar"» quando
a delegação portuguesa se viu confrontada com a antecipação do anúncio da
adesão plena da Guiné Equatorial no início da cimeira que o facto de se saber
que «Cavaco
Silva não aplaudiu adesão da Guiné Equatorial» em nada altera.
É claro que
depois ninguém deixa de pensar que algum resultado terá tido a pronta
disponibilidade de Obiang em acorrer em socorro dum descapitalizado BANIF cujo
presidente, o ex-ministro dos negócios
estrangeiros Luís Amado, não se coibiu em assegurar
que a entrada da Guiné Equatorial no capital
do banco, seria um “reencontro com a
História de Portugal”.
Nesta linha de
pensamento – recuperação da gesta descobrimentista de quinhentos – e sabendo-se
que, juntando-se às ilhas Maurícias e ao Senegal, foram agora a «Geórgia,
Namíbia, Turquia e Japão admitidos como observadores associados na CPLP»,
talvez o próximo estado a ser admitido possa ser o Quirguistão ou Samoa,
territórios onde seguramente uma minuciosa investigação detectará vestígios de
ADN dalgum explorador ou comerciante luso que por lá terá passado há cinco
séculos atrás e assim se justificará que a actual CPLP (Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa) se converta numa mais global e ecuménica CPQL (Comunidade
dos Países de Qualquer Língua).
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