quinta-feira, 22 de maio de 2014

SÓ RAZÕES PARA VOTAR

Quase a terminar mais uma campanha eleitoral fácil se tornaria recuperar a ideia que novamente os principais partidos e os seus candidatos voltaram a passar ao lado do essencial na sua função – debater ideias e divulgar intenções de actuação.

A olhar apenas para a actual conjuntura europeia e nacional seria de admitir que nunca tal terá sido tão fácil, tantos são os problemas e tão díspares as opções possíveis para os enfrentar que enorme seria o esforço dos candidatos populares e socialistas para lhes escapar senão fosse o cansado recurso ao agitar de fantasmas e à troca de piropos mais ou menos ofensivos. Esforço que, diga-se, é indispensável para tentar disfarçar a sua quase nula relevância no panorama europeu e o facto de, quer nos objectivos quer nas estratégias, quase nada os separar.

Desta lamacenta realidade ter-se-ão distinguido os candidatos dos chamados partidos pequenos (os que nunca tiveram qualquer influência na condução das políticas internas), mas disso a comunicação social não deu destaque, preferindo alinhar na mesma onda de facilitismo e populismo que deverão ser apontadas como principais responsáveis por uma abstenção que não pára de crescer (nem pode quando é cada vez mais evidente a divergência entre os nove milhões e meio de eleitores registados e uma população de dez milhões e meio que nos últimos anos viu emigrar cerca de meio milhão e deve contar com mais dois milhões de jovens sem idade para votar), pois têm-se demitido da sua função e nada têm feito no sentido de contrariar a estratégia desinformativa dos grandes partidos, mesmo quando apelam ao voto enunciando «Cinco razões pelas quais as eleições europeias importam», pois isto só é manifestamente insuficiente para mobilizar um eleitorado que se sente marginalizado – a regra passou a ser a de eleger representantes com base em promessas que nunca pensaram cumprir – e, sobretudo, completamente abandonado à sua sorte.

O desencantamento e uma clara sensação de manipulação poderá nestas eleições converter-se ainda num resultado muito mais perigoso que o da abstenção, caso se confirmem as previsões de vitórias nacionais dos partidos de extrema-direita em França, com a Frente Nacional da Marine Le Pen, e na Inglaterra, onde as sondagens indicam que o «UKIP, o partido que começou como uma piada, pode ficar em primeiro», traduzido numa forte probabilidade de agravar a inoperância do Parlamento Europeu precisamente quando este está a ver os seus poderes aumentados.

Além duma cobertura jornalística facilitista e sensacionalista, de que é claro exemplo o destaque dado à “boutade” em que «Portas apela ao direito à indignação contra Sócrates», a imprensa tem-se esquecido sistematicamente de explicar que os deputados nacionais (propostos e eleitos pelos diferentes partidos) irão integrar, no quadro parlamentar europeu, outros grupos parlamentares, nem sempre coincidentes com a sua distribuição nacional. Assim, por exemplo o PSD e o CDS integram o PPE (Partido Popular Europeu), o PCP e o Bloco integram o GUE/NGL (Gauche Unitaire Européenne/Nordic Green Left), enquanto o PS surge na S&D (Aliança dos Socialistas e Democratas Progressistas).

Esta particularidade, que se repete noutros estados –membros, leva a que a mais recente projecção efectuada pelo Parlamento Europeu e pela TNS Opinion (que pode ser consultada aqui) aponte para os seguintes resultados:


nada que pareça preocupar os líderes do centrão nacional (tanto mais que quando a última «Sondagem dá ligeira vantagem ao PS» partem com a garantia de que nada de substancial mudará) e a crer no I a chanceler «Merkel já decidiu a próxima Comissão Europeia, antes das eleições», anúncio que deve merecer resposta adequada no próximo Domingo, data em que se deverá proceder à escolha (ainda que por via indirecta) do próximo presidente da Comissão Europeia e onde os eleitores poderão ainda afirmar a sua opinião sobre a opção pela política de austeridade vigente.

Como em ocasiões anteriores, nada tem sido ensaiado para que os actos eleitorais recuperem a dignidade perdida, em especial quando os principais candidatos – e os que têm quase exclusiva atenção dos meios de informação -, falhos de ideias próprias (ou impedidos das exprimir pelas máquinas partidárias a que se sujeitam) se limitam a trocar farpas anódinas em lugar de apresentarem uma campanha eleitoral assente no debate de ideias e na difusão de informação potenciadora que do acto de votar resultasse uma opção de escolha consciente e livre; mas a atestar pelo triste desempenho das máquinas partidárias e dos candidatos dos partidos que têm partilhado o poder em Portugal, pelo paupérrimo trabalho de informação e esclarecimento da imprensa e pelo manobrismo que raia o criminoso dos políticos no poder por essa Europa fora, receio bem que os cidadãos europeus deixem escapar novamente esta oportunidade para entregar a sua representação a quem realmente represente os seus anseios.

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