sábado, 8 de fevereiro de 2014

A CORRUPÇÃO SEGUNDO A CE

Mais que um lugar-comum, associar Portugal ao fenómeno da corrupção corre o risco de se converter numa marca indelével, tantos têm sido os relatórios das mais variadas origens a referi-lo.

O último, da autoria da Comissão Europeia, apresentado esta semana nem justificaria especial destaque não fosse precisamente a sua origem.


Afirmar-se que «Portugal não tem uma estratégia contra a corrupção», como faz o citado relatório, constitui mera constatação dum facto que muitas figuras nacionais têm denunciado ao longo do tempo mas pouco ou nada diz sobre as origens ou os envolvidos no processo, principalmente quando outra das constatações é a da existência duma «Justiça portuguesa sem eficácia para reprimir corrupção», afirmação que esconderá principalmente o imobilismo do sistema judiciário.

A imagem duma Justiça lenta contribui muito para a afirmação que «90% dos portugueses acham que corrupção é generalizada» e para a conclusão de que a «Corrupção afecta o dia-a-dia de mais de um terço dos portugueses», pouco importando saber que «Nenhum país europeu está a salvo».

No cômputo geral a ideia é a de que o fenómeno – grave – da corrupção tende a afectar mais os países da Europa do Sul (reafirmando a noção empírica que associa altos níveis de corrupção aos fortes desequilíbrios financeiros e a elevados níveis de endividamento) que os do Norte (as virtuosas economias liberais), conclusão tanto mais tendenciosa quanto é baseada em inquéritos de opinião e não em dados concretos, o que ainda assim não impede os autores do relatório de estimarem em 120 mil milhões de euros os prejuízos causados às economias do conjunto da UE.

Embora pouco provável, conhecendo os mecanismos de constituição da Comissão Europeia e a sua visível perca de importância política, seria de esperar que um trabalho desta natureza apontasse soluções, tanto mais que Bruxelas tem revelado particular apetência para produzir abundante e apertada legislação noutros campos da vida europeia, como sejam os da segurança alimentar e da luta antitabágica.

Aliás, no capítulo da legislação talvez sejamos os campeões (o PUBLICO inicia o seu editorial «A percepção da corrupção» lembrando que “…somos bons a fazer leis e maus a aplicá-las”) tantas são as leis e os regulamentos que ano após ano, governo após governo, têm sido aprovados com o anunciado intuito de combater a corrupção. Já o seu efeito prático tem sido bem diverso, deixando no ar muito mais que uma difusa suspeição sobre legisladores e consultores que periodicamente transitam duma posição para a outra – a tão falada promiscuidade entre legisladores e gabinetes de advogados – sem que tal pareça estranho, suspeito ou sequer duvidoso. E a importância do papel da Justiça é tanto mais importante quanto uma imagem da sua eficácia no combate à corrupção seria um importante contributo, através do efeito dissuasor, para a sua redução.

Este laxismo estende-se além-fronteiras de forma tão visível que até a eurodeputada «Ana Gomes critica UE por “fechar os olhos” à corrupção» e perante as câmaras da RTP «Ana Gomes aponta exemplos da inacção da troika no combate à corrupção», tanto mais evidente quando se assiste a uma permanente trasfega para o nível europeu de políticos que a nível nacional não ficaram conhecidos pelas suas especiais competências (deixando pairar fundadas dúvidas sobre o modelo de escolhas) ou até pelo envolvimento em casos fortemente conotados com corrupção, e só começará a ser eficazmente combatido com uma educação de valores e uma actuação efectiva sobre os agentes económicos que não declarem a riqueza evidenciada e sobre as instituições (principalmente os “offshores”) que lhes dão cobertura.

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