O anúncio no
início da semana que teríamos as «Acções
dos CTT negociadas em bolsa a 5 de Dezembro» marcou a contagem decrescente
para a pior das infâmias do pouco digno processo de privatizações a que o País
tem assistido desde meados dos anos 80 do século passado.
Persistindo
na comprovadamente errada política de privatização de empresas públicas – caso da
Galp, Portugal Telecom, EDP, Rodoviária Nacional, REN, ANA, etc., monopólios ou
quase monopólios cuja venda não resultou, contrariamente ao prometido, numa
clara melhoria dos serviços mas antes no acréscimo de custos para os
consumidores quando o que se deveria era ter assistido a uma abertura dos
sectores de actividade à iniciativa privada – e depois do fracasso que foi a
operação de privatização da TAP, eis que se lhe segue agora os CTT. Esta
empresa, que assegura o serviço postal nacional (vulgo correio) remonta ao
século XVI, conheceu a monarquia e a república, sobreviveu a invasões,
ocupações e outras calamidades (como a do Terramoto de 1755), foi no início do
século passado (a par com a escola pública) o esteio duma praxis republicana
que se pretendeu estendida a todo o território e a toda a população e cuja
morte agora se anuncia.
É certo que a
concorrência doutras empresas de transporte rápido de mercadorias e a
generalização dos meios electrónicos de correspondência lhe reduziram o papel,
mas não a utilidade nem os resultados, tanto mais que já foi anunciado que o «Lucro
dos CTT avança 28% para 45,2 ME até Setembro».
A há
muito anunciada a intenção do governo de Passos Coelho de privatizar
os CTT insere-se numa linha de discurso muito querida da
generalidade dos governos europeus e no já habitual radicalismo do eterno candidato a “bom aluno”. Ao
contrário da esmagadora maioria dos congéneres europeus – segundo informou há dias
o PUBLICO «80%
dos correios da Europa estão nas mãos do Estado» – que mantém o serviço postal na esfera pública e os poucos que assim não
procederam mantém ainda uma posição maioritária, Passos Coelho vai privatizar
70% do capital duma empresa que já anunciou que espera distribuir
dividendos de 60 milhões de euros em 2014. Interessados não têm faltado e se após o anúncio
que as «Acções
dos CTT custam entre 4,10 e 5,52 euros» alguns, como
a URBANOS (grupo português que tem na
distribuição e logística a sua principal actividade) entendem que «Preço
mínimo das acções dos CTT "está muito elevado"», outros pré-candidatos, como
os CORREOS
espanhóis ou a brasileira ECT (Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos), ainda não se pronunciaram.
Não vivesse o
actual governo obcecado com os défices e não privilegiasse o pagamento aos
credores e talvez o interesse dos congéneres espanhóis e brasileiros, ambas
empresas de capitais exclusivamente públicos que no caso da brasileira merece
até referência específica na constituição federal, tivesse sido entendido como
alerta, tal como o facto de no país campeão do liberalismo
e da iniciativa privada, os EUA, o serviço postal continuar a ser
exclusivamente público. Bastaria a simples pergunta que
quase seguramente a maioria dos portugueses formularam: porque estariam os
correios espanhóis e brasileiros interessados se a actividade não fosse
lucrativa? e se é lucrativa, porque se vende? ou como muito bem lembrou Daniel
Oliveira no EXPRESSO quando escreveu que
«uma
década em dividendos rende ao Estado o mesmo que a privatização».
A infâmia que
referi no início não se resume à aberrante decisão de alienação duma actividade
que é julgada de especial interesse para a colectividade e para a coesão
social, mas principalmente por esta constituir
mais uma manifestação de claro desinteresse pelas populações e em especial
pelas mais desprotegidas e isoladas e sem que do “negócio” resulte mais que um
circunstancial ganho de curto prazo, para as contas públicas, já que para os
“compradores” está assegurado um grande negócio, pois a empresa,
no entender do NEGÓCIOS, «vai pagar o melhor dividendo da bolsa
nacional».
A “negociata” começou
a ser preparada há já algum tempo – não só nos contactos com potenciais
interessados mas também através duma reestruturação onde os «CTT
cortaram 894 postos de trabalho num ano» – e agora com data marcada e sabido que o «Preço de entrada do Royal Mail em
bolsa gera polémica no Reino Unido» resta esperar que as
dúvidas não se repitam entre nós…
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