Lamenta-se
o Prof César das Neves na sua mais recente crónica «A
pobreza do discurso» que o tema da pobreza não esteja a ser invocado com o objectivo de «…aliviar os
pobres mas atacar o neoliberalismo, rejeitar a troika, derrubar o Governo, combater a reforma do Estado, o
Orçamento ou outro decreto particular», alívio que (segundo o autor) tem
sido historicamente assegurado pela Igreja, tanto mais que o «…poder não gosta dos pobres e estes confiam
mais na ajuda do próximo que nas promessas dos chefes».
É por demais óbvio que à mui católica e apostólica visão do Prof se pode
aplicar as palavras que usou para apodar os que “falam sobre miséria”, pois «…mesmo bem intencionada, gera exageros,
discórdias, perda de objectividade, o que é lamentável em problema tão grave», não
que o Prof esteja zangado… apenas um pouco irritado com a situação que apelida
de “moderna democracia assistencialista”, onde, como ensaia explicar
através dum teorema formulado por Stigler (economista norte-americano da escola
monetarista de Chicago e Prémio Nobel em 1982, particularmente conhecido pela
sua Teoria Económica da Regulação), «…“as despesas públicas são feitas para o benefício primordial da classe
média, e financiadas com impostos suportados em parte considerável pelos pobres
e pelos ricos”», esquecendo (ou esperando que nós esqueçamos) que o que
Stigler realmente teorizou é que os grupos de interesse e outros intervenientes políticos usarão os poderes de
regulamentação e coercivo do governo para dar às leis e regulamentos a forma que lhes for mais benéfica.
No afã de justificar o actual processo de concentração da riqueza
subjacente ao modelo do Consenso de Washington generalizadamente aplicado sob a
batuta do FMI e de silenciar os críticos – os que no seu entender beneficiaram
durante as décadas de endividamento – vai ao ponto de, esquecendo o brutal
crescimento do desemprego, afirmar que são «…os
remediados, que se consideram carentes, que fazem as exigências em nome dos
silenciosos», como se o poder daqueles alguma vez se pudesse comparar com os dos
grupos económicos e financeiros que originaram, sustentam e se alimentam dos
benefícios rentistas alcançados através das privatizações e das PPP.
Em resumo, se
é condenável o discurso da pobreza (em especial aquele que apenas serve para
alimentar ganhos pessoais e políticos), não o é menos um discurso que confunde
e sem outro objectivo que o de perpetuar um modelo de empobrecimento geral em
exclusivo benefício duma minoria cada vez mais opulenta.
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