sexta-feira, 30 de agosto de 2013

JOGO DE EMPURRA


Há muito que a grave situação na Síria deveria ter recebido os cuidados e a atenção da comunidade internacional, porém a lógica dos interesses geoestratégicos e as contradições dum sistema internacional de regulação (como a ONU) assente na lógica ultrapassada dum mundo bipolar datando dos tempos da “guerra fria”, tem-no adiado e esse custo continua a recair sobre as populações desprotegidas.

O anúncio na passada semana de nova utilização de armas químicas na Síria, para mais durante a permanência duma equipa de inspectores da ONU, com a oposição a denunciar o regime de Assad e a contabilizar 1.300 mortos, quando os «Médicos Sem Fronteiras confirmam mortes provocadas por armas químicas na Síria» mas falam em 355 mortos e o Observatório Sírio dos Direitos Humanos contabiliza 322 vítimas, contribui pouco para esclarecer a situação de troca de acusações entre governo e opositores.


Desconhecendo-se ainda as conclusões dos peritos no terreno e enquanto a «ONU pressiona EUA e Reino Unido para atrasarem intervenção militar na Síria», e depois de publicado que os «EUA dizem que ataque químico na Síria é "indesmentível" e não ficará impune» e «Londres considera possível acção militar na Síria», numa conjugação de posições que se assemelha perigosamente da “aliança” e da argumentação que fundamentou a invasão norte-americana do Iraque em 2003, levando mesmo a admitir que «EUA saltam sobre Conselho de Segurança para atacar a Síria» apesar duma sondagem da Reuters/Ipsos dar uma maioria de 60% contra a intervenção («About 60 Percent Of Americans Are Against Intervention»), eis que o «Parlamento britânico impede intervenção militar do Reino Unido».

Este inesperado contratempo, que não parece ter alterado o planeamento de Washington que de pronto fez saber que os «EUA não descartam avançar para a Síria sem os britânicos» quando, fazendo fé em declarações de Hollande ao jornal LE MONDELe massacre de Damas ne peut ni doit rester impuni»), até deverão poder contar com o apoio francês.

Reagindo a estes cenários e com a certeza que os «EUA atuarão na Síria de acordo com os seus "interesses"» e não com o objectivo de resolver qualquer problema aos sírios ou às populações vizinhas, chega de Damasco a “bravata” de que a «Síria promete responder se for atacada» e o «Irão faz "aviso sério" contra intervenção militar na Síria», enquanto mais prudente a «Rússia defende que Ocidente não pode provar ataque químico em Damasco».

Esta troca de “mensagens” e as notórias semelhanças com os “discursos” que no Ocidente antecederam o ataque ao Iraque reforçam a ideia de estarmos perante mais uma tremenda hipocrisia e a habitual manipulação da informação, precisamente quando até já em jornais nacionais apareceu a confirmação de que durante a Guerra Irão-Iraque, a «CIA ajudou Saddam Hussein a gazear tropas iranianas».

Com a UE a fazer coro com a dupla EUA/Reino Unido parece cada vez mais evidente que, como escrevi no início do ano no “post” «VIOLÊNCIA SÍRIA», ao actual regime alauita se sucederá um de origem sunita onde pontificará a facção wahabita que deverá redundar no agravamento das tensões entre as diversas minorias (curdos, turcos, arménios, drusos, xiitas/alauitas e cristãos ortodoxos), antevisão que explicará uma notícia do VATICAN INSIDER (publicação do jornal LA STAMPA dedicada ao Vaticano) dando conta que o Bispo de Alepo se manifestou contra a intervenção militar estrangeira («Vescovo di Aleppo contro intervento militare») desejando no seu lugar uma força militar que contribuísse para o diálogo.

Certo é que enquanto decorre este jogo de empurra entre governo e as oposições sírias e entre países os ocidentais e os tradicionais aliados da Síria (China, Rússia e Irão), que não pressagia nada de bom nem construtivo para a região, as populações sírias continuam a sofrer os habituais horrores das guerras e a UNICEF (órgão da ONU para a defesa dos direitos das crianças) já anunciou que o «Conflito na Síria fez mais de um milhão de crianças refugiadas», número que representa quase 50% dos refugiados dum conflito que, segundo o ACNUR, já originou mais de 6 milhões de deslocados.

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