O reatamento formal de negociações entre Israel e a Autoridade
Palestiniana, interrompidas desde 2010, poderia constituir um sinal positivo
não fora o facto de uma vez mais se sentarem à mesa de negociações duas
delegações sem a mínima perspectiva de entendimento.
Como se não bastasse a presença dum mediador claramente favorável a uma
das partes, esta encarregou-se nas vésperas do primeiro encontro de desferir a
machadada final em qualquer hipótese de acordo quando foi divulgado que «Israel
vai expandir colonatos judaicos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental»; ninguém – salvo o “amigo
americano”, cuja
reacção à expansão dos colonatos judaicos tem vindo a consolidar a cada ano que passa, a cada novo assentamento e a
cada novo colono, suavizando-a
para
finalmente aceitar a posição israelita – acredita na ingenuidade do
governo israelita, nem sequer que este anúncio se tenha destino apenas a
acalmar os sectores mais radicais perante ao anúncio de que «Israel
começou a libertar palestinianos em véspera das negociações de paz».
Enquanto nas sucessivas tentativas de negociação e em função das pressões
internacionais e da própria conjuntura palestiniana – não esqueçamos que além
da divisão entre partidários do Hamas e da OLP, esta última é o resultado da
aliança de várias tendências e grupos, onde pontifica a Fatah – as posições
potencialmente conciliadoras destes raramente foram acompanhadas pela
contraparte. Mesmo quando em 1993 foi alcançado em Oslo um acordo que previa
uma retirada parcial do exército israelita e a instalação da Autoridade
Nacional Palestiniana, a aparente cedência judaica rapidamente se transformou
numa armadilha para Yasser Arafat (o histórico líder da Fatah e da OLP) e para
o povo palestiniano, tais foram as limitações e a persistência na presença
militar israelita que culminou com a construção do Muro da Cisjordânia (muro de
betão erigido ao longo de mais de 700 km a pretexto de assegurar a protecção de
colonatos judaicos instalados no território palestiniano da Cisjordânia mas que
na realidade funciona como meio para aumentar a área ocupada e restringir a
deslocação das populações palestinianas, já de si separadas entre esta região e
a Faixa de Gaza).
Não será pois
de estranhar que as expectativas para as presentes conversações não possam deixar
de ser reduzidas ou nulas, tanto mais que há tradicional relutância judaica
acresce uma clara falta de liderança (e de representatividade) da parte
palestiniana; já digno de nota é o facto de na imprensa internacional surgirem,
em número cada vez maior, opiniões duvidando da solução dos “dois estados”, ainda
que uns o façam por mero pragmatismo e apontando a responsabilidade à política
judaica de expansão dos colonatos, enquanto outros tendem a reconhecer o
fracasso prático da solução, propondo em alternativa um debate aberto e que
integre diferentes hipóteses.
Confirmando a
ideia que a solução dos “dois estados” se afigura cada vez menos sustentável é
que até o governo de Tel-Aviv parece apostado numa nova etapa da sua famigerada
política de “apartheid”; isso mesmo
transparece da proposta de alargamento do recrutamento militar a grupos não
judaicos, como os cristãos, os drusos e os ortodoxos gregos – que levou mesmo o
YNET NEWS a noticiar há mais de um ano
que “Líderes cristãos debatem alistamento no IDF” («Christian leaders spar over IDF enlistment») –, no que pode ser comparado a uma manobra de
fomento de rivalidade entre aqueles grupos e os árabes, numa confissão da
situação de facto, que é a de “dois povos-um estado”, onde este serve os
interesses da minoria através dum rigoroso sistema de “apartheid”.
Esta é uma realidade tão indesmentível que até as próprias autoridades
judaicas já revelam dificuldade em a esconder. Á política de instalação de
colonatos em territórios militarmente ocupados (prática ilegal ao abrigo das
leis internacionais) seguiu-se um processo de bantustisação (pseudo-estados
de base tribal criados pelo regime sul-africano do “apartheid”, de forma a manter a maioria negra fora dos bairros e
terras da minoria branca, mas suficientemente perto para servirem de fontes de
mão-de-obra barata) desses territórios – política que teve o seu expoente na criação
duma Autoridade Nacional Palestiniana dissociada das populações que pretende
representar – e que agora, em aparente reconhecimento do fracasso, admitem
rever criando um simulacro de abertura, conquanto nada disto chegue à mesa das
negociações nem pareça preocupar uma delegação palestiniana frágil, lamurienta
e sem outro poder que o de se representar a si própria numa farsa de
negociações para agradar ao “amigo americano”.
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