sábado, 9 de abril de 2011

FMI[1]

Escusado será dizer que não partilho qualquer sentimento de alívio ou de fracasso perante o anúncio feito a meio da semana, pelo primeiro-ministro José Sócrates, de que o Governo decidira recorrer ao apoio financeiro do programa do FEEF e do FMI.
Não posso sentir qualquer sensação de alívio perante o que inevitavelmente se vai seguir: a aplicação de um programa de austeridade económica e financeira, ditado pelos velhos cânones do Consenso de Washington[2], do qual não poderá resultar senão o aprofundamento da recessão já anunciada. Se a economia do país já está destroçada, os ensinamentos da História e o exemplo que tivemos na década de 1980 com o recurso ao FMI, deveriam ser suficientes para recusarmos agora a sua repetição.

Da mesma forma não partilho o sentimento de fracasso porque a atestar pelos resultados ontem anunciados pelo insuspeito THE WALL STREET JOURNAL, as exportações nacionais estão a crescer a uma taxa de 21% enquanto as importações se ficaram no mês de Fevereiro pelos 8%, contribuindo para a redução do défice comercial e reduzindo proporcionalmente as necessidades de financiamento externo e porque, claramente, a intervenção agora solicitada não se destina aos fins anunciados – incapacidade de pagamento da dívida pública portuguesa[3] – mas antes e uma vez mais a resolver as dificuldades de financiamento do sistema financeiro nacional.
Que esta é a dura e inqualificável realidade pode ser comprovado pela afirmação produzida aqui em finais de Março, de que o Estado tinha assegurado nos dois primeiros meses do ano mais de 1/3 das necessidades de financiamento previstas para o ano, ou pela subida das cotações dos bancos[4] ainda antes de conhecido o anúncio Sócrates, para já não falar na reacção de Fernando Ulrich (presidente do BPI) quando em finais de Fevereiro e em resposta às crescentes pressões dos poderes públicos (Governo e Banco de Portugal) para que os bancos melhorassem a sua solvabilidade, reforçando os seus capitais, deixou o aviso que «Pedir mais capital aos bancos é um erro histórico»...
E viu-se... actuando de forma concertada, fosse na sucessão das panfletárias entrevistas televisivas com que esta semana intoxicaram o país, fosse no ultimato de recusa de compra de mais dívida pública[5], o sistema financeiro nacional, com o óbvio beneplácito – senão o claro incentivo – dos seus congéneres ocidentais obrigou o Governo a ceder e a pedir o apoio do FEEF e do FMI.
Assim, sem mais delongas ou hesitações, o Governo, os partidos do arco do poder (PS, PSD e CDS) e o Presidente da República condenaram os cidadãos portugueses a suportarem os custos do financiamento do sistema financeiro.
Senhores de toda a sabedoria, propagandeadores da inexistência de qualquer outra solução, decidiram – mais uma vez – que nada pode correr mal para os accionistas e os admnistradores dos bancos, porque cá estaremos todos nós para os resgatarmos. O pior é se um destes dias os portugueses resolvem adoptar uma solução idêntica à que os islandeses recorreram para evitarem ver-se reduzidos ao papel de eternos pagadores e de forma mais ou menos organizada, ou espontânea, saem à rua, sitiam os ógãos do poder, recusam-se a suportar aqueles custos, forçam-nos a renunciar e escolhem outros que cumpram aquele objectivo.
Como muito a propósito escreveu na passada semana o I sobre a situação na Islândia, «O povo é quem mais ordena. E já retirou o país da recessão», que é um pequeno país no topo norte do continente europeu, com uma população da ordem das 300 mil pessoas, frequentemente apresentado como aquele onde o grau de felicidade dos cidadãos é maior, com um o PIB de cerca de 12 mM€, que centrou as suas principais actividades no sector das pescas e na actividade bancária e onde o sector terciário chegou a representar mais de 68% do PIB e a originar mais de 70% do emprego, chegou a ser considerado como um exemplo de capacidade e de eficiência do modelo neoliberal de economia aberta, a ponto de ser considerado como um dos mais ricos do Mundo. Viu abater-se sobre ele um imenso cataclismo quando no início de Outubro de 2008 nacionalizou o GLITNIR, o terceiro banco do país, no qual injectou 600 milhões de euiros, a que se seguiu o LANDSBANKI, a segunda maior das suas instituições financeiras e o KAUPTHING BANK, o maior banco da Islândia, nacionalizado após um empréstimo de 500 milhões de euros do Banco Central.
Teve então de recorrer a um financiamento de 4 mil milhões de euros pelo Banco Central da Rússia e a outras ajudas do FMI (estimadas em 2,1 mil milhões de dólares) e dos vizinhos nórdicos (2,5 mil milhões de dólares), de nada lhe valendo então o ter sido considerada como um exemplo de capacidade e de eficiência do modelo neoliberal de economia aberta, que levou a cabo um modernização do tecido económico e social e uma ampla desregulamentação do sector financeiro, dos quais resultou o crescimento exponencial do seu mercado de capitais e uma diversificação do seus investimentos um pouco por toda a Europa.

A crise que o país atravessa é tanto mais grave quanto o seu sector bancário representava cerca de nove vezes o valor do PIB nacional e o seu colapso arrastou todo o conjunto da débil economia islandesa; a moeda (coroa islandesa) esteve sob ataques especulativos nos mercados cambiais que obrigaram à sua desvalorização e na contingência de interromper todos os seus fluxos comerciais. A situação do país foi de tal maneira grave que em 2008 se contemplou a possibilidade bem real de ver a economia nacional engolida pela tempestade financeira mundial e sob ameaça da própria falência do país.

Para esta calamidade muito terá contribuído a reduzida dimensão do país, a desproporção do peso do sector bancário no conjunto da economia e a óbvia fragilidade da sua moeda, mas graças à movimentação popular, o governo conservador, liderado por Geir Haarde foi forçado a renunciar e foram convocadas eleições. Realizadas em Abril de 2009, delas resultou a formação de um governo de coligação entre sociais-democratas e verdes, chefiado por Johanna Sigurdardorttir.
Depois do ano de 2009 ter fechado com uma quebra no PIB da ordem dos 7% e quando a par com os primeiros sinais de recuperação dados pelo crescimento de 1,2% no 3º trimestre de 2010, o novo governo, pressionado pela Inglaterra e pela Holanda, se preparava para proceder à indemnização dos prejuízos provocados pela falência dos bancos entretanto nacionalizados, no montante de 3,5 mil milhões de euros, novamente a população saiu à rua e conseguiu que o presidente islandês, Olafur Ragnar Grímsson, não promulgasse a lei e convocasse um referendo popular, que com uns claros 93% rejeitou o pagamento da indemnização nos termos propostos.
Mas esta não foi a única vitória popular, pois duas outras importantes decisões estão a revolucionar a vida na pequena ilha, onde já foi iniciado o processo judicial contra o ex-presidente do KAUPTHING BANK, Sigurdur Einarsson, e já foi eleita e está em funcionamento uma assembleia de 25 cidadãos, sem filiação partidária, encarregues da elaboração duma nova Constituição.
Mesmo que não se confirme a rejeição dum novo plano de pagamento no referendo que hoje decorre e que prevê um período de pagamento de 30 anos à taxa de 3,3% (a proposta anteriormente recusada previa um pagamento entre 2016 e 2024 (8 anos) e uma taxa de 5,5%, o povo islandês já mostrou ao Mundo que pode haver, e há, outras formas de resolver o problema.
Constatando que Fomos Miseravelmente Inganados, temos que nos mobilizar, sair à rua e fazer valer o ponto de vista da existência doutras alternativas que não a da sujeição aos ditames do FMI e que não aceitaremos voltar a pagar pelos erros, pela incúria e pela má governação do país nem do seu sistema financeiro.


[1] FMI, sigla que nos últimos dias terá ganho entre nós um novo significado e de Fundo Monetário Internacional transformou-se em Fomos Miseravelmente Inganados!
[2] Consenso de Washington é o nome pelo qual ficou conhecido um conjunto de cinco medidas a aplicar nos países que fossem alvo de intervenções do FMI e que são as seguintes: reforma fiscal (leia-se, subida de impostos), redução dos gastos públicos (invariavelmente traduzida na reduçãoo dos apoios sociais), desregulamentação e liberalização do mercado (veja-se o excelente exemplo do que tem sido em Portugal a liberalização do mercado dos combustíveis), abertura ao investimento estrangeiro (também aqui é de recordar os casos nacionais da Renault e da Opel) e privatizações.
[3] A atestar por esta notícia do ECONÓMICO, fosse ou não graças ao apoio do Brasil e da China, através dum leilão privado o IGCP (entidade que gere a dívida pública portuguesa) já tinha assegurado o reembolso de 4,5 mil milhões de euros que se vencem a 15 de Abril.
[4] Como se pode confirmar por esta notícia do ECONÓMICO.
[5] Como se pode confirmar nesta notícia do NEGÓCIOS e que se deverá ao facto do BCE, na sequência da descida do “rating” da dívida pública, ter informado os bancos nacionais que deixaria de aceitar títulos nacionais como garantia (colateral) para as habituais cedências de liquidez.

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