Enquanto prosseguem as “negociações” do plano de resgate com o FEEF, o FMI e o BCE, políticos e especialistas nacionais e estrangeiros persistem no processo de lavagem cerebral parcialmente responsável por ter conduzido a economia mundial ao estado em que se encontra.
De um e do outro lado do Atlântico insiste-se na propalação de dogmas – como o da redução dos salários, o da virtualidade da privatização de serviços públicos e o da desregulação dos mercados do trabalho, enquanto panaceia para todos os males que nos afligem – como se de princípios inabaláveis se tratassem, enquanto se espera que nós (os estúpidos mortais) interiorizemos a ladainha repetida até à exaustão que, qual mantra tântrico, nos elevará aos céus da abastança.
A litania chega ao absurdo de pretender convencer-nos que «Portugal vai pagar na ajuda externa metade das taxas de mercado», quando na realidade a anunciada (e ainda não confirmada taxa de 5%) representa um claro agravamento face à actual taxa média da dívida que não deverá ultrapassar os 4%[1] e uma manipulação grosseira ao comparar taxas de emissão com as taxas implícitas resultantes das transacções no mercado secundário.
Aliás a desinformação e a manipulação em torno da questão do resgate a Portugal chega ao ponto de após o ter feito passar por uma necessidade pública e não pela incapacidade de refinanciamento do sistema bancário nacional[2], esconder em seguida que o nível do endividamento público aumentará em cerca de 50%, levando a que aquele montante ultrapasse largamente o PIB, aproximando-se dos 140% daquele indicador.
Mas sobre esta nova realidade – quando o total do endividamento é superior à riqueza gerada anualmente – ninguém, nem os técnicos do FMI ou do BCE nem os especialistas nacionais, diz uma palavra, tece um comentário ou até o mínimo sinal de preocupação, de pois de nos terem “martelado” até à exaustão com o crescimento do “monstro da dívida”.
Talvez todos eles esperem que as medidas sabiamente decididas, como a da conjugação da redução salarial e do aumento dos impostos, venham a produzir os prometidos frutos da conhecida teoria do “trickle-down” – a concentração da riqueza nas classes mais abastadas gerará investimento que proporcionará um aumento da riqueza das classes mais baixas – que tendo estado na origem das políticas neoliberais iniciadas nos tempos de Reagan e de Tatcher e cujos efeitos benéficos (para os desfavorecidos) ainda hoje se aguardam, pois o aumento da concentração da riqueza num reduzido grupo de super-ricos, isso já está verificado.
[1] Não conheço com precisão aquele valor pois o IGCP, entidade que gere a dívida pública nacional, não divulga essa informação regularmente, mas a última vez que o fez anunciou que até Fevereiro a taxa média era da ordem dos 3,5%, pelo que admito que os agravamentos registados nas última emissões, depois de devidamente ponderados pelos montantes emitidos, se tenham traduzido num aumento de 50 pontos base naquela taxa.
[2] Sobre esta questão ver mais um contributo, como o dado por Sakia Sassen nesta entrevista publicada no I.
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