quarta-feira, 6 de abril de 2011

CAIU-LHES A MÁSCARA

Pasme-se, ou não, decorre desde o início da semana o maior ataque financeiro de sempre contra o Estado português e, ao contrário do habitual este não surgiu camuflado sob a genérica e vaga definição de “mercados”, mas antes vem encabeçado pela fina flor da alta finança nacional.

Embora se tenham repetido sucessivas descidas no “rating” da República e das principais empresas nacionais (financeiras ou não) por parte das reputas empresas do ramos – Standard & Poor´s, Moody’s e Fitch – o golpe mais profundo foi o que desferiu o colégio nacional de banqueiros – Faria de Oliveira, da CGD, Ricardo Espírito Santo Salgado, do BES, Santos Ferreira, do BCP, Bruno Amado, do SANTANDER-TOTTA e Fernando Ulrich, do BPI – quando após uma reunião na tarde de segunda-feira nas instalações do Banco de Portugal, encarregaram Santos Ferreira para ser o seu porta-voz numa entrevista televisiva, oportunidade em que foi por este anunciado que «Portugal deve pedir já um empréstimo externo de 10 mil milhões de euros».

Mas a opinião da finança nacional (reconheça-se-lhe o peso que se quiser) não se quedou por uma mera mensagem, assumindo a sua verdadeira dimensão de ultimato quando o NEGÓCIOS tornou público que os «Bancos portugueses deixam de dar crédito ao Estado».

Embora tudo isto não passe de mais um episódio na manipulação de informação que há vários meses vem pressionando o país para recorrer ao FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira) e ao FMI, na qual se integra a actuação das agências de “rating” (as mesmas que agora publicam sapientíssimos estudos sobre o crescente risco de incumprimento das economias periféricas do euro, mas que no auge da crise imobiliária nos EUA nunca se aperceberam que os produtos estruturados que a banca norte-americana emitia diariamente não valiam o custo do papel onde eram impressos, ou que as dificuldades que apontam às economias do euro são iguais, quando não menores, que as que enfrentam a libra inglesa e o dólar norte-americano) e a manifesta incapacidade conceptual e política dos líderes europeus na definição de uma estratégia comum (convém não esquecer que estes até se vangloriam de líderes duma comunidade) para enfrentar um problema que regularmente têm adiado de reunião em reunião e de cimeira em cimeira, tudo indica que a feroz resistência política que o governo de José Sócrates ergueu ao recurso ao FMI está em vias de soçobrar.

A orquestração da manobra[1] é de tal forma evidente que para esta semana até estava agendada uma sucessão de entrevistas a banqueiros na TVI; a Santos Ferreira sucedeu no dia seguinte o presidente do BES o qual, depois de na passada semana ter declarado à imprensa que «...Portugal é capaz de escapar a um resgate, Ricardo Salgado disse ontem em entrevista à TVI que "é preciso um empréstimo intercalar. É urgente pedi-lo já e é grave se isso não acontecer"»[2], aos quais se seguirão Bruno Amado (hoje) e Fernando Ulrich. Por razões óbvias o presidente da CGD (banco público) ficará isento, porque o tipo de mensagem que os banqueiros acordaram difundir coaduna-se mal com este banco e com a possível recondução do conselho de administração.

Confirmando isso mesmo, não só o presidente do BES veio repetir a urgência manifestada por Santos Ferreira, como reafirmar o teor da sua pretensão: a banca nacional precisa de continuar a financiar-se, como é bem provável (e hoje mesmo o afirmou João Duque ao DN) que os maus resultados dos «Testes de resistência podem estar na origem de pedido de banqueiros para recurso à ajuda externa», fenómeno que nada tem a ver com as necessidades de financiamento público.
E não deixa de não ser curioso que tenha sido aquele que em tempos foi apontado pela oposição (PSD) como testa de ferro do governo (PS) no assalto ao BCP, que agora venha apunhalar a política desse mesmo governo.


Algo que me incita a aqui a refutar aquela asserção, pois na prática Santos Ferreira será é um testa-de-ferro da finança nacional no PS e a inversão dos factores está longe – muito longe... – de ser indiferente. 

Facto é que a banca nacional está a revelar claros sinais duma fragilidade que sendo conhecida[3] era persistentemente negada pelos próprios e pelos poderes públicos e uma fragilidade e um desespero tais que arriscaram a proclamação de que os «Bancos portugueses deixam e dar crédito ao Estado», anúncio que apenas se justifica por, julgando-se acima das leis e da crítica, não recearem qualquer tipo de reacção.

Este tipo de atitude insere-se no que aparenta ser uma nova fase no relacionamento entre o poder e a alta finança, cuja situação de desespero terá chegado a ponto de um dos seus principais tenores ter recorrido a uma táctica de terrorismo financeiro, pois foi disso mesmo que se tratou quando Santos Ferreira anunciou perante as câmaras da TVI que o Estado necessitava de recorrer a um financiamento urgente duma dezena de biliões de euros, como se não soubesse a diferença entre biliões (1012) e milhares de milhões (109), que era o valor que deveria ter referido[4], aproveitando o ensejo para atemorizar ainda mais as pessoas.

Anima-me que, apesar de tudo, aqui ou ali lá vão surgindo algumas observações e comentários pertinentes a propósito desta situação, como é o caso da pergunta «E se em vez de dar conselhos a banca pagasse impostos?» que Daniel Amaral deixou hoje na sua crónica no EXPRESSO, do comentário de Perez Metello que, interrogando-se acerca dos «15 mil milhões? “Essa urgência não é do Estado”» concorda com a leitura de João Duque, a que acrescento a óbvia necessidade da banca pagar (com taxas de juro idênticas às que cobra) os milhares de milhões de euros de que beneficiou em garantias públicas e outras formas de apoios financeiros[5] durante o pico da crise de liquidez iniciada com a falência do Lehman Brothers e que lhes permitiu sobreviver até agora. 



[1] A notícia de que «Judite Sousa vai entrevistar os maiores banqueiros» antecedeu em 24 horas a reunião “secreta” no Banco de Portugal.

[2] A citação foi retirada desta notícia do I ONLINE.
[4] A diferença resulta da utilização de uma de dois sistemas de nomenclatura de números grandes; a escalam curta, em que cada novo termo é mil vezes maior que o anterior, e a escala longa, onde aquela razão é um milhão. A escala longa é usada predominantemente nos países anglo-saxónicos enquanto a curta predomina nos países europeus.
[5] Recorde-se que só para tapar o “buraco” da burla engendrada no BPN por Oliveira e Costa, a CGD (banco público) já lá injectou cerca de 5 mil milhões de euros e no início deste ano o I ONLINE tenha informado que «Contribuintes vão pagar buraco do BPN durante 10 anos».

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