sábado, 2 de abril de 2011

DISCURSOS E “HAIRCUTS”[1]


Foi preciso esperar oito longos dias desde a apresentação do pedido de demissão de José Sócrates para que o Presidente Cavaco Silva anunciasse a dissolução da Assembleia da República e a consequente convocação de eleições antecipadas.


A primeira e óbvia constatação é que mesmo perante a existência de formalismos e preceitos legais nestas matérias o Presidente não poderia ter encurtado substancialmente este período de aparente incerteza? Se ninguém duvidava de qual seria a sua decisão, para quê esperar tanto tempo? Os prejuízos não serão apenas os de natureza financeira – os famigerados “mercados” e as agências de “rating” não demoraram tanto a fustigar e a limitar ainda mais as já difíceis condições de financiamento nacional – mas igualmente a própria credibilidade e a sempre tão reafirmada independência e integridade de Cavaco Silva parecem-me novamente questionáveis.

Nem tanto por ter agora decidido pela indispensabilidade de governos com maiorias parlamentares confortáveis (contrariamente ao que fez em Outubro de 2009 quando, já no auge da crise mundial e dispondo de claros sinais do que nos esperava aceitou empossar um governo minoritário e de duvidosa sustentabilidade parlamentar) mas principalmente por de nada lhe ter servido a tão apregoada reputação de economista, ou será que as decisão tomada (a convocação de eleições antecipadas num momento em que estas poderão ser favoráveis ao PSD, o seu partido) prendeu-se principalmente com considerandos de natureza partidária?

Algumas vezes aqui tenho recordado o aforismo que recomenda que à mulher de César não basta ser séria... também precisa de o parecer, para não poder concordar minimamente com a decisão tomada por Cavaco Silva, tanto mais que as sondagens (valham estas o que valerem...) indicam que o resultado do sufrágio deverá ser tão inconclusivo quanto o anterior, facto que será ainda agravado por dois longos meses de confrontos verbais entre os chamados partidos da área do poder (PS, PSD e CDS) o que tornará ainda mais difícil a formação de um acordo pós-eleitoral.

Dito isto, resta-me a triste constatação que nem, um único daqueles partidos, nem o Presidente da República revelaram aos eleitores a mínima preocupação pelos problemas que nos assaltam, salvo a da defesa dos seus interesses partidários e os das suas clientelas políticas.

Não quero com isto resumir a situação a uma mera intriga partidária – a situação das finanças nacionais é demasiado grave para ser esquecida – mas quando a realidade mostra que nenhum daqueles três partidos apresenta uma ideia clara de como abordar o problema (salvo a habitual panaceia do recurso a uma entidade externa, na ocorrência o FEEF e o FMI), que nenhum parece ter a mínima ideia do que semelhante solução acarreta (salvo a salvaguarda dos interesses da classe dominante e da sua imagem para o exterior) para o comum dos cidadãos e ainda menos dos custos associados , poucas alternativas restam aos cidadãos, agora chamados a novo acto eleitoral, tanto mais que os dois partidos restantes (os tais que não integram a área do poder e que os analistas gostam sempre de referir como partidos de protesto) deverão voltar a repetir os argumentos de contestação sem a formulação clara duma alternativa.

E ela existe! Ao contrário do que habitualmente se ouve ou lê, a dívida externa e o seu exponencial avolumar não podem ser resolvidos com as soluções que os líderes liberais da UE desenharam. A prova é que actualmente já começam a surgir algumas breves referências à necessidade de recurso a outras medidas[2] e, tarde ou cedo, a crise das dívidas soberanas estender-se-á a outras divisas, como a libra e o dólar, já que a responsabilidade da ruptura da dívida japonesa será prontamente assacada ao sismo e ao “tsunami” que recentemente assolaram o país.

Com as dívidas mundiais a ultrapassarem largamente a capacidade das depauperadas economias (sejam-no em resultado da crise do sistema financeiro, da retracção no comércio mundial ou de qualquer fenómeno natural ocorrido ou a ocorrer) chegaremos ao ponto em que não restará outra solução senão a consolidação ou a pura e simples eliminação (write-off)[3] e é por isso que algumas vozes de especialistas mais avisados já vão falando timidamente na eventualidade do recurso a “haircuts” (cortes reduzidos) como via para a manutenção do actual estado de endividamento global.


[1] Na gíria financeira designa-se o “haircut” como a percentagem dedutível no valor do activo usado como garantia e que mede o risco; muitas vezes também serve para referir pequenas deduções, ou cortes, no valor totalda dívida.
[2] A prova disso pode ser esta notíca do PUBLICO que cita o economista norte-americano «Barry Eichengreen: "Portugal terá de reestruturar a sua dívida"», ou estoutra do NEGÓCIOS que assegura que «Irlanda quer partilhar perdas na banca com os credores»
[3] A expressão “write-off” significa o reconhecimento dum prejuízo resultante da redução, parcial ou total, do valor dum activo. Em termos práticos e no caso em apreço trata-se do reconhecimento da incobrabilidade duma dívida cujo volume ultrapassa em muito a riqueza mundial produzida.

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