As vésperas de mais um 1º de Maio marcam uma oportunidade especial para assinalar algo mais que uma efeméride cada vez mais longínqua na nossa memória colectiva. Sem querer deslustrar ou minimizar aqueles que ao longo de décadas se bateram pela melhoria das condições de trabalho e das remunerações dos trabalhadores, vivem-se agora tempos em que parecem avolumar-se outras prioridades e não são poucas as vozes que nos aconselham a assumirmos a manutenção dos postos de trabalho como a principal delas.
Que mal vão os tempos em que o umbigo de cada um parece assumir a dimensão do Mundo e não faltam “gurus”, nem exércitos doutros arautos menores, que não aproveitem todas as oportunidades para nos desviarem dos problemas globais
Já não constituirá novidade nem motivo para grande espanto que muito vai mal avisado se anda por terras duma Europa onde as condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores há muito deixaram de figurar entre as principais preocupações dos dirigentes europeus, agora que políticos supostamente responsáveis apelem de forma clara e sem rodeios à suspensão (ou à alteração) de princípios tão básicos e elementares como o da livre circulação de pessoas... apenas revela a desorientação e a incompetência que grassam entre as elites dirigentes.
Depois de no Verão passado termos assistido ao polémico episódio da expulsão dos ciganos, protagonizado pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, situação que comentei no “post” «NÓS E OS OSUTROS», prontamente secundado pelo inefável Silvio Berlusconi, chefe do governo italiano, sucedeu-se a mais recente, mas não menos polémica, decisão francesa de proibição do uso do “hijab”[1] em locais públicos, eis que novamente voltam os dois figurões a destacar-se pelas piores razões. Agora o alvo não são já os povos errantes, antes os refugiados africanos que, na sequência da agitação política e social no Maghreb começaram a afluir ao território italiano.
Não se tratando dum fenómeno recente, nem de fácil abordagem, a crescente pressão migratória dos povos da região sub-sahariana, pressionados pela degradação das condições climatéricas e em busca da ilusão duma vida mais fácil na rica Europa viu-se agravada pelo clima de agitação no Maghreb, que além de ter aliviado as medidas de contenção negociadas com a UE viu ainda juntar-se-lhe os maghrebinos que por uma razão ou outra receiam a nova conjuntura política.
Mesmo tratando-se dum problema de inegável dimensão europeia e conhecendo-se a existência de um organismo comunitário – o Frontex – criado para a adequada aplicação das normas comunitárias em questões ligadas ao controlo de fronteiras, os líderes nacionais e comunitários têm-no enfrentado da forma mais inadequada: os países do norte da Europa demitindo-se das suas responsabilidades e os do sul, abandonados à sua sorte , têm optado por soluções isoladas e invariavelmente passivas de críticas de xenofobia.
A mais recente iniciativa do duo Berlusconi-Sarkozy – a proposta de revisão do Tratado de Schengen, o documento que regula a liberdade de circulação no espaço comunitário – é bem um exemplo da completa incapacidade dos dirigentes europeus ou, claro reflexo das verdadeiras intenções dos seus mentores, que, agora em nome da contenção duma indesejada invasão africana ou amanhã a pretexto de qualquer outra razão que julguem igualmente válida, propõe simplesmente o restabelecimento das antigas barreiras fronteiriças.
Depois de se ficar a saber que a «Alemanha une-se a França e Itália no apoio a uma reforma do tratado de Schengen», mesmo salvaguardando a diferença entre cidadãos comunitários e não-comunitários, aumentam-se as probabilidades de caminharmos de alteração em alteração aos documentos constitutivos da UE até ao ponto em que pouco reste das ideias iniciais. E se há dias lembrei no “post” «QUANDO UM HOMEM QUISER» que temos vindo a assistir à erosão dos valores mais importantes, como o da solidariedade e o da cooperação, receio bem que estejamos no limiar duma nova fase de regressão e que em resposta ao aumento de popularidade dos agrupamento populistas, bem expresso em notícias como a que assinala que «Onda de populismo político ameaça afundar zona euro» ou a que assegura que segundo as sondagens «Sarkozy pode ficar fora da decisão das presidenciais», os ineficazes líderes actuais optem por fazer cedências aos ideais da extrema-direita na esperança de agradarem às franjas mais reaccionárias dos seus eleitorados.
É sabido que quando um navio ameaça soçobrar são os ratos os primeiros a abandoná-lo, mas neste caso tudo indica que a sua incompetência e impreparação para enfrentarem os problemas é tal que se preparam para novamente sacrificarem primeiro os grupos mais desprotegidos e desfavorecidos em troca da sua manutenção nos lugares de comando.
[1] Expressão que designa o conjunto do traje feminino islâmico, variável consoante a região, mas que mais recentemente passou a associar-se ao uso do véu islâmico.