sexta-feira, 5 de outubro de 2007

REPÚBLICA E RES PUBLICA

Haverá melhor oportunidade que a da comemoração de mais um aniversário da Implantação da República, para voltar ao tema do combate à corrupção?

Terá sido este pensamento que levou os responsáveis da revista VISÃO a incluir no seu número de ontem uma extensa entrevista com João Cravinho, aquele que foi até há pouco tempo o rosto mais visível de uma iniciativa legislativa, digna desse nome, visando o combate àquele flagelo?

Mesmo desconhecendo a resposta às perguntas, não vou perder o ensejo de retomar o que aqui escrevi a propósito da decisão do grupo parlamentar do PS de não incluir no “pacote legislativo” contra a corrupção algumas das propostas defendidas por João Cravinho, tanto mais que este vem agora afirmar que a oposição no seu grupo parlamentar foi para ele um choque!

Logo que foi tornada pública a notícia de que João Cravinho iria ocupar num futuro muito próximo um dos lugares de administrador do BERD (Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento) questionei aqui a oportunidade daquela nomeação. Depois de ler a primeira parte da entrevista conduzida por Emília Caetano e que aqui transcrevo:

«Sete meses depois de vir para Londres, o «pacote» sobre corrupção continua por aprovar em São Bento...

Os diplomas foram, de facto, debatidos nessa altura. Esgotei a minha missão, os meus poderes como deputado. Fui até ao limite do que podia. Após um processo longo e muitas discussões, formei uma ideia sobre as razões das divergências profundas - porque as havia e eram manifestas - entre mim e a direcção do grupo parlamentar em questões fulcrais. A primeira tem que ver com um juízo político e ético sobre a situação da corrupção em Portugal e o seu efeito corrosivo sobre o funcionamento das instituições democráticas. Penso que é um fenómeno grave, extenso e sem mecanismos de contenção à altura. Alguns dos meus camaradas não são nada dessa opinião. O presidente do grupo [Alberto Martins] disse que o fenómeno existia, mas que Portugal não estava numa situação particularmente gravosa. Pelo contrário, nas comparações internacionais estava muito bem. Fiquei de boca aberta. Nem rebati, porque um homem como Vera Jardim disse logo que, pelas informações que lhe chegavam de homens de negócios, a corrupção era grave e estava em crescendo. Mas também não estávamos de acordo sobre a natureza do fenómeno.

Não estavam de acordo como?

Prevaleceu no debate uma visão eminentemente policial da corrupção. A minha é que existe esse lado policial, que também é importante - e não podem acusar-me de o ignorar, porque pedi e fiz propostas orçamentais que, aliás, só foram aprovadas parcialmente, para reforço do combate policial e da investigação criminal. Depois, o PSD e o CDS pegaram nisso, mas estive bastante isolado. Só que a corrupção como fenómeno novo, associado à globalização, torna a concepção policial obsoleta. Um dos nossos grandes problemas é a corrupção de Estado, a apropriação de órgãos vitais de decisão ou da preparação da decisão por parte de lóbis. Embora, aparentemente, tudo se faça segundo a lei, com mais ou menos entorses. A corrupção, antes de ser um fenómeno do domínio policial, é um problema de risco, de sistema, a ser gerido e não reprimido como se fosse um conjunto de factos isolados. Deve ser objecto de uma responsabilização total, a nível administrativo e político. E ficou evidente que esta ideia não era partilhada. Assim como o papel do Parlamento no controlo do combate à corrupção.

Acha que deve ser qual?

É a única instituição democrática com as competências para tratar a corrupção como risco e para obrigar à sua gestão preventiva. Não pode dizer que isso é um problema mais para os executivos ou que não possui informação. Só não tem se não quiser. E também discordávamos sobre tipificação deste crime no Código Penal. No texto actual, que o Governo mantém, é muitas vezes impossível fazer prova desses crimes.

Qual prevê que seja o desfecho deste debate?

Tenho hoje uma visão já um pouco distante destas coisas. Algumas propostas foram assumidas por camaradas meus e respeito a coragem deles e o seu sentido cívico. Admito que o grupo parlamentar as absorva, mas o principal problema não é tanto de leis. O relatório de uma entidade especializada mostra que Portugal tem a segunda melhor legislação sobre branqueamento de capitais. Só que o documento acrescenta em pé de página: mas não há condenações e são muito poucas as operações concretas de verificação. A legislação poderá ser apertada, mas o modo como se a usa ainda é mais importante. Gostaria de ter ilusões.

Prevê que a legislação ainda demore a aprovar?

O PR fez um discurso, em Outubro de 2006, centrado só neste problema. Suponho que o PS terá em atenção que seria desagradável forçá-lo a voltar ao assunto. Portanto, acredito que, de uma maneira ou de outra, esse problema, do ponto de vista formal, terminará nesta sessão legislativa.

E sobrará muito do que propôs?

Foi dos maiores choques da minha vida ver que aquela matéria causava um profundo mal-estar, era como que um corpo estranho no corpo ético do PS. Apesar de algumas dificuldades que antevia, não contava com uma atitude de absoluta incompreensão para a natureza real do fenómeno da corrupção. Por isso, não faço previsões

digam-me que não eram fundados os meus receios e que ainda é possível acalentar alguma esperança?

Tornando-se cada vez mais evidentes os interesses instalados, o compadrio (mesmo que apenas expresso pelo silêncio) crescente nas instâncias do poder e a incapacidade (ou a total ausência de vontade) daqueles que elegemos para o seu exercício, poderemos esperar algo de positivo no futuro?

A que mais seremos ainda obrigados a assistir para definitivamente substituirmos estes políticos de pacotilha por quem revele convicções – nomadamente um arreigado sentido de defesa da coisa pública - e capacidades – tais como a de colocar os interesses da colectividade acima dos do seu grupo, clube político ou pessoais - para inverter o actual estado das coisas?

Para quando a nossa República se converterá numa verdadeira RES PUBLICA[1]?
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[1] Res publica é uma frase latina, composta de res + publica, significando literalmente a "coisa do povo". O termo normalmente se refere a uma coisa que não é considerada propriedade privada, mas a qual é em vez disso mantida em conjunto por muitas pessoas. (in Wikipédia)

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