quarta-feira, 6 de abril de 2016

EXPOSTO

A recente divulgação dos chamados “Panama Papers” (colectânea de 11,5 milhões de ficheiros sobre actividades em offshores, investigados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que tem como parceiros nacionais o Expresso e a TVI) trouxe à luz do dia muito mais que o que os títulos das notícias resumem. Dizer que um «Escândalo de corrupção envolve 72 chefes de Estado, de Putin a Cameron» ou chamar-lhe «O maior crime de sempre», como fez Pedro Santos Guerreiro no EXPRESSO, não é bem a mesma coisa pois no primeiro caso centra-se a atenção nas personalidades enquanto o segundo remete para o verdadeiro flagelo que constituem os offshores e que ultrapassa em muito a questão da lavagem de dinheiro originado em negócios ilegais (armas, droga e outros tráficos) e expõe de forma definitiva os que a eles recorrem como meio de evasão fiscal.


Tornar claras as suspeitas de conúbio entre o poder económico e o político, é importante e não se deve reduzir aos citados Putin e Cameron, tanto mais que importa não esquecer a referência ao presidente argentino, Mauricio Macri, que ajuda a explicar a ânsia que a que recentemente a «Argentina aprova acordo para pagar a fundos abutres», já que muitos outros nomes virão a público (que o diga o Sigmundur David Gunnlaugsson, de quem já se diz que o «Primeiro-ministro da Islândia é a primeira vítima do Panama Papers»), além de empresários, desportistas (onde já se destacam os nomes de «Messi e Platini na lista comprometedora») e artistas.

Lembrando aquela velha máxima latina que recomenda que “há mulher de César não basta parecer séria...”, o desejável era que à semelhança da mobilização doutros povos (como o caso da Islândia onde logo que o caso se soube «Milhares pedem renúncia do PM da Islândia» seguindo-se a notícia que o «Governo islandês demite-se devido ao Panama Papers»), todos exigíssemos o mesmo tipo de comportamento aos agentes envolvidos, sem esquecer o acréscimo de responsabilidade daqueles que apregoam a sua superioridade moral...

Não constituindo novidade o problema dos paraísos fiscais, não se pode falar em espanto perante a dimensão do que agora se começa a conhecer, nem sequer com a notícia que «Há mais do que 34 portugueses nos Panama Papers»; muitos dos visados virão clamar que nada de ilegal praticaram, pois os offshores até são legais, mas não poderão continuar a esconder que no mínimo têm beneficiado de vantagens fiscais negadas à maioria dos seus concidadãos, ou, como escreveu José Vítor Malheiros no PUBLICO, evitar a confirmação que «Os impostos são só para os trabalhadores e para os pobres», agravando ainda mais a já enorme desigualdade gerada por um modelo de distribuição da riqueza que privilegia os rendimentos do capital em detrimento dos do trabalho.

Dado o já referido carácter legal dos offshores, resumir o problema à afirmação de que os «Casos do Panama Papers serão remetidos para Ministério Público», como o fez o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, é um eufemismo; este é o momento de exigirmos dos poderes estabelecidos uma clara e definitiva alteração das regras dum jogo viciado desde o primeiro instante, mas ao observar a passividade geral – em claro contraste com a rápida e eficaz mobilização dos islandeses – duvido que algo mude além do indispensável para parecer que algo mudou.

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