A recente
divulgação dos chamados “Panama Papers”
(colectânea de 11,5 milhões de ficheiros sobre actividades em offshores, investigados pelo Consórcio
Internacional de Jornalistas de Investigação, que tem como parceiros
nacionais o Expresso e a TVI) trouxe à luz do dia muito mais que o que os
títulos das notícias resumem. Dizer que um «Escândalo
de corrupção envolve 72 chefes de Estado, de Putin a Cameron» ou chamar-lhe
«O
maior crime de sempre», como fez Pedro Santos Guerreiro no EXPRESSO, não é bem a mesma coisa pois no
primeiro caso centra-se a atenção nas personalidades enquanto o segundo remete
para o verdadeiro flagelo que constituem os offshores
e que ultrapassa em muito a questão da lavagem de dinheiro originado em
negócios ilegais (armas, droga e outros tráficos) e expõe de forma definitiva
os que a eles recorrem como meio de evasão fiscal.
Tornar claras
as suspeitas de conúbio entre o poder económico e o político, é importante e
não se deve reduzir aos citados Putin e Cameron, tanto mais que importa não
esquecer a referência ao presidente argentino, Mauricio Macri, que ajuda a
explicar a ânsia que a que recentemente a «Argentina
aprova acordo para pagar a fundos abutres», já que muitos outros nomes
virão a público (que o diga o Sigmundur David Gunnlaugsson, de quem já se diz
que o «Primeiro-ministro
da Islândia é a primeira vítima do Panama Papers»), além de empresários, desportistas
(onde já se destacam os nomes de «Messi
e Platini na lista comprometedora») e artistas.
Lembrando
aquela velha máxima latina que recomenda que “há mulher de César não basta parecer séria...”, o desejável era que
à semelhança da mobilização doutros povos (como o caso da Islândia onde logo
que o caso se soube «Milhares pedem
renúncia do PM da Islândia» seguindo-se a notícia que o «Governo
islandês demite-se devido ao Panama Papers»), todos exigíssemos o mesmo
tipo de comportamento aos agentes envolvidos, sem esquecer o acréscimo de
responsabilidade daqueles que apregoam a sua superioridade moral...
Não
constituindo novidade o problema dos paraísos fiscais, não se pode falar em
espanto perante a dimensão do que agora se começa a conhecer, nem sequer com a
notícia que «Há
mais do que 34 portugueses nos Panama Papers»; muitos dos visados virão
clamar que nada de ilegal praticaram, pois os offshores até são legais, mas não poderão continuar a esconder que
no mínimo têm beneficiado de vantagens fiscais negadas à maioria dos seus
concidadãos, ou, como escreveu José Vítor Malheiros no PUBLICO, evitar a confirmação que «Os
impostos são só para os trabalhadores e para os pobres», agravando ainda mais
a já enorme desigualdade gerada por um modelo de distribuição da riqueza que
privilegia os rendimentos do capital em detrimento dos do trabalho.
Dado o já
referido carácter legal dos offshores,
resumir o problema à afirmação de que os «Casos
do Panama Papers serão remetidos para Ministério Público», como o fez o
ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, é um eufemismo; este é o momento
de exigirmos dos poderes estabelecidos uma clara e definitiva alteração das
regras dum jogo viciado desde o primeiro instante, mas ao observar a
passividade geral – em claro contraste com a rápida e eficaz mobilização dos
islandeses – duvido que algo mude além do indispensável para parecer que algo mudou.
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