terça-feira, 14 de janeiro de 2014

REESCREVENDO FÁBULAS

Abundaram nos últimos dias notícias relacionadas com a movimentação de ex-governantes nacionais para prestigiadas empresas ou organizações internacionais; assim, à notícia de que o ex-ministro da economia «Álvaro Santos Pereira vai para a OCDE» sucedeu o anúncio de que o ex-ministro das finanças «Vítor Gaspar candidata-se a alto cargo no FMI», culminando com o anúncio que «José Luís Arnaut vai ser consultor da Goldman Sachs».

Esta última revelou-se a mais controversa, não tanto pelas anteriores funções governativas de Arnaut (ministro adjunto do primeiro-ministro com Durão Barroso e ministro das cidades com Santana Lopes) mas principalmente pelo conhecido papel do gabinete de advogados que integra (CMS Rui Pena & Arnaut) no processo das privatizações, no qual ora agiu como conselheiro do Estado ora dos compradores, e no negócio dos “swaps”.

Se os casos de Santos Pereira e Vítor Gaspar até podem ser encarados com alguma normalidade – recorde-se que antes de integrarem o Governo, o primeiro era professor na Universidade Simon Fraser (Canadá) e o segundo era consultor da Comissão Europeia –, já o de José Luís Arnaut merece ser avaliado e, convenhamos, que o mínimo que dele se pode dizer é que é duvidoso. É duvidoso o currículo técnico – salvo se entendermos a nomeação como contrapartida por serviços prestados – do mesmo modo que tem sido duvidosa a sua actuação na estreita margem entre o Poder, os negócios e a ética. O próprio (segundo esta notícia do I) defendeu-se num canal de televisão dizendo que: «É uma grande confusão. […] No escritório de que sou sócio trabalhámos em várias privatizações para os privados. É natural. Estamos num mercado livre, E quem vê isso como uma confusão é porque é muito pequenino, não tem dimensão e não percebeu a dimensão do mercado e o papel das pessoas no mundo internacional, […] é bom haver portugueses em posições internacionais».


Manipulando e distorcendo a realidade, confundindo “mercado livre” com promiscuidade e culminando no tradicional insulto da falta de “dimensão”, pouco faltou para ouvirmos contar ao contrário a fábula de Flautista de Hamelin (um conto folclórico, reescrito e popularizado pelos Irmãos Grimm) onde um rato habilidoso e facilitador conduziria os homens probos, facto que contribui para reforçar a ideia com que Viriato Soromenho Marques concluiu o seu artigo «Espiral de náusea»: “A espiral recessiva parece ter sido travada. Mas a espiral da náusea moral, essa, está ainda muito longe de ter batido no fundo.

Sem comentários: