A segunda ronda de negociações de
paz para a Síria, que decorre na Suíça, não podia alcançar um objectivo
palpável tantas foram as incertezas e as condicionantes que desde o início a
rodearam. Começando pelos avanços e recuos entre as diversas facções da
oposição ao regime de Bashar al-Assad, passando pelas hesitações de americanos
e russos (principais patrocinadores da iniciativa) e concluindo na vergonha que
constituiu o anúncio, por Ban Ki-moon, que foi o «Irão
convidado para conferência de paz de Genebra» para, sob pressão norte-americana, vir mais tarde a
saber-se que a «ONU
retira convite a Irão para conferência sobre Síria».
Não se estranhe que, depois do
pretexto invocado para o “desconvite” – o regime iraniano não aceitou o
reconhecimento dos termos da primeira ronda de negociações implicando a
obrigatoriedade da substituição do presidente sírio –, chegue de Teerão uma
reacção onde o «Presidente
do Irão duvida do sucesso de Genebra II», tanto mais que à saída
de Damasco a «Delegação
síria avisa que ninguém pode tocar em Assad».
A polémica dos convites não
parece esgotar-se com o episódio iraniano, pois uma observação mais atenta da
agenda e considerandos em torno da conferência deixa perceber que outro
convidado indispensável, a Paz, terá ficado à porta.
Como se não bastassem estas
divergências, o período que antecedeu a realização da conferência foi fértil na
exposição das contradições que minam a própria oposição ao regime alauita.
Assim enquanto os promotores (ONU, EUA e Rússia) discutiam a participação do
Irão – país que na sequência do abrandamento do seu programa nuclear e do
consequente desanuviamento das sanções internacionais vai readquirindo o
direito ao estatuto de potência regional – a cada vez mais fragmentada oposição
síria conheceu novos episódios de dissensão quando o Conselho Nacional Sírio (o
principal grupo da oposição) anunciou a sua saída da Coligação Nacional Síria,
depois desta organização ter aceite deslocar-se à Suíça sem a garantia prévia
da saída de Bashar al-Assad.
O cinismo que
habitualmente grassa nos meios diplomáticos (e que tem abundado de sobremaneira
na crise síria) fica bem evidente em toda esta questão quando é motivo de notícia que o «Governo
e oposição síria estiveram cara a cara, mas não falaram de paz»,
ou quando, conhecendo sobejamente as “razões”
que justificam o inverso, alto diplomata (como Rui Machete)
declara que preferia
todos os intervenientes na reunião de paz quando, para mais, é conhecido que pouco ou nada fez para contrariar a
menorização do papel da UE na crise síria.
Enquanto
isto, num terreno onde se confrontam interesses tão diversos quanto os das
grandes potências (EUA, Rússia e China), os das potências regionais (Arábia
Saudita, Turquia e Irão), os dos financiadores e fornecedores de armamento
(todos os anteriores), vive-se uma situação cada vez mais caótica e difícil
para as populações, situação que Maria João Tomás
resume assim no artigo do DN, «Genebra
II, ou a cimeira para gerir a guerra na Síria»:
“Os mais
afectados com esta guerra são, obviamente, todos os sírios, excluídos perante
os interesses externos em jogo neste tabuleiro de xadrez. Os rebeldes combatem
agora em duas frentes, contra as tropas de Bashar al-Assad, que têm armamento
russo, e contra os jihadistas que têm armas americanas, confiscadas aos
coitados dos rebeldes.
Desde o início do
conflito já morreram cento e trinta mil pessoas e há nove milhões e meio de
deslocados e refugiados que lutam para sobreviver à guerra, à fome, às doenças
e também à neve e ao frio que tem feito no Médio Oriente. Os países de
acolhimento já não conseguem fazer mais, e os sírios, sem nada, fazem tudo o
que podem para ter comida e segurança, acabando como vítimas de tráfico humano
ou escravos sexuais, enganados por tudo e por todos, chegando a pagar exorbitâncias
para conseguirem chegar à Europa, mas muitos ficam pelo caminho.”
Em resumo, tudo aponta para o malogro de mais esta iniciativa cujos
intervenientes parecem esquecer à partida factos tão relevantes quanto: o
acréscimo de legitimidade do regime alauita – adquirido por via das vitória
militares no terreno e da acção diplomática bem expressa no recuo da
intervenção internacional e no início do programa de destruição do armamento
químico – e o facto de governo e oposição se mostrarem pouco disponíveis a cedências,
ficando desde já a garantia que estaremos perante «Uma
conferência de paz que não vai parar a guerra» e que, como em tantas outras
ocasiões, continuarão a ser os interesses e o bem-estar das populações os
principais prejudicados.
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