Cada vez mais
enredado nas suas conhecidas hesitações, confrontado com uma crescente quebra
de popularidade e alvo da recente exposição pública num “affaire” extraconjugal, o presidente francês, François Hollande,
reagiu como é devido a qualquer político da sua estirpe e proferiu o solene
anúncio duma nova política para uma “França forte”,
a qual contrariando as promessas eleitorais, pasme-se, é em tudo idêntica á do
seu antecessor e demais congéneres europeus.
Em Paris, como
em Lisboa e noutras capitais europeias, o eufemismo passou a ser a figura de
estilo dominante na retórica política. Do mesmo modo que, em Lisboa, Passos
Coelho fala de “ajustamento” quando a realidade significa “desemprego”, também
em Paris não se instalou uma política de “austeridade” mas de “rigor”; rigor
sobre o segmento da população que vive do rendimento do trabalho com a
contrapartida do alívio sobre os rendimentos do capital.
Distantes parecem os
tempos em que Hollande, recém-chegado ao Eliseu, falava para os países do Sul
da Europa dizendo que «“Chegou a
hora de oferecer aos portugueses uma perspectiva que não seja só de
austeridade”», agora que as necessidades políticas levaram a que «Hollande
anuncia programa de austeridade para relançar crescimento e emprego» e ao paradoxo de saber que «Hollande
quer reduzir Estado para baixar impostos às empresas», depois de ter passado o último ano a aumentá-los, faz com que estes
anúncios se assemelhem estranhamente a ominosas facadas.
Menos
estranha, apesar de carregada de eufemismo, será a notícia de que a «Alemanha saúda “mudança de paradigma” em
França», como se alguma vez tivesse existido uma real e assumida
divergência entre Hollande e Merkel (como se o essencial não tivesse sido
sempre a convergência de interesses dos sectores financeiros francês e alemão),
ou como se a abjuração dos princípios sociais-democratas constituísse novidade
para quem calcorreia os corredores do poder.
O cinismo de Hollande e da CDU
alemã encontra par à altura no comentário onde o nacional «PSD
aplaude Hollande. "Acabou por reconhecer que não tem alternativa"», dizem, como se o debate em torno das
alternativas à política da “austeridade expansionista” se limitasse à franja
política representada pelo que resta duma social-democracia que fez dos
princípios ideológicos um mero vaivém para a disputa eleitoral.
Esta questão
da secundarização das ideologias constitui um dos principais entraves ao
funcionamento dos Estados (e por extensão da própria UE, que na insignificante
figura de Durão Barroso deixou de ter governança própria) cujas administrações
foram tomadas de assalto por uma pretensa nova concepção política sustentada no
primado das opções técnicas, a maioria das vezes apoiada em meros empirismos
ou, pior, em fundamentações erradas. Veja-se o recente episódio do erro
detectado na formulação popularizada por Reinhart e Rogoff (ver a propósito os
“posts” «ACONTECE…» e
«O ERRO
DO FMI») que ainda assim continua a ser apresentada como axioma técnico
para a justificação dos malefícios do endividamento público em geral.
Com a mesma
jactância com que em tempos foi decretado o “Fim da História” (referência ao
conceito desenvolvido pelo filósofo e economista norte-americano, Francis
Fukuyama, defensor da ideia dum estado mais pequeno mas mais forte e que muito
influenciou a actual corrente neoliberal), continua a pretender-se fazer crer
aos incautos que as decisões são sustentadas em irrefutáveis análises técnicas
quando na maioria das situações traduzem meras opções políticas empiricamente
sustentadas, tanto ou mais discutíveis que o seu contrário, que estão a
conduzir as economias e os cidadãos para o que cada vez mais se aproxima dum
vórtice de destruição social.
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