Depois de ter
iniciado no “post” «A
CRISE DAS DÍVIDAS – AS ORIGENS» a publicação do artigo assinado pelo
presidente equatoriano Rafael Correa:
«A União Europeia endividada
reproduz os nossos erros
Rafael
Correa
Falámos
dos países endividados, mas que dizer dos particulares incapazes de liquidar as
suas dívidas? Tomemos o exemplo da Espanha. A falta de regulamentação e o fácil
acesso ao dinheiro pelos bancos espanhóis geraram uma enorme quantidade de
empréstimos hipotecários, que galvanizaram a especulação imobiliária. Os
próprios bancos assediavam os clientes, estimando o custo da sua habitação e
emprestando-lhes ainda mais para a compra dum carro, móveis, electrodomésticos,
etc. Quando a bolha imobiliária rebentou, o mutuário de boa-fé não pode
reembolsar o empréstimo: já não tem um emprego. Levam-lhe a casa que vale muito
menos do que quando a comprou, a família é despejada e endividada para o resto
da vida. Em 2012, havia diariamente mais de duas centenas de despejos, o que
explica a maior parte dos suicídios em Espanha... A questão que surge é: por
que não recorrer a remédios que parecem óbvias e por quê repetir sempre o pior
cenário? Porque o problema não é técnico, mas político. Ela é determinada por
um equilíbrio de forças. Quem dirige as nossas sociedades? O capital ou os
homens?
O maior
erro que fizemos à economia foi retirar-lhe a sua dimensão originária de
economia política. Fizeram-nos acreditar que tudo era técnico disfarçando a
ideologia em ciência e incentivando-nos a ignorar as relações de poder dentro
duma sociedade, colocaram-nos a todos ao serviço dos poderes dominantes, do que
eu chamo de “império do capital”. A estratégia do endividamento intensivo que
levou à crise da dívida latino-americana não se destinava a ajudar o nosso país
a desenvolver-se. Ela obedeceu à urgência de colocar o dinheiro em excesso que
inundou os mercados financeiros do “primeiro mundo”, os petrodólares que os
países árabes produtores de petróleo tinham colocado em bancos nos países
desenvolvidos. Este dinheiro veio do aumento dos preços do petróleo após a
guerra de Outubro de 1973, preços que foram mantidos em níveis elevados pela
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Entre 1975 e 1980, os
depósitos em bancos internacionais aumentaram de 82 mil milhões para 440 mil
milhões (1.226 mil milhões de dólares a preços correntes).
Confrontado
com a necessidade de colocar uma quantidade tão significativa de dinheiro, o
Terceiro Mundo atraiu o interesse. Assim , a partir de 1975, começámos a ver
desfilar através os banqueiros internacionais ansiosos por colocar todos os
tipos de créditos, incluindo o financiamento de despesas correntes e a
aquisição de armas pelas ditaduras militares que governaram muitos estados.
Estes banqueiros zelosos, que nunca tinham visitado região, nem como os
turistas, também trouxeram grandes subornos destinados a levar os funcionários
a aceitar novos empréstimos, qualquer que fosse o pretexto. Ao mesmo tempo, as
instituições financeiras internacionais e as agências de desenvolvimento
continuaram a vender a ideia de que a solução era endividar-se.
Se a
independência dos bancos centrais serve, de facto, para garantir a continuidade
do sistema qualquer que seja o veredicto das urnas, ela foi imposta como uma
necessidade “técnica” no início dos anos 1990, justificado por pretensos
estudos empíricos que demonstram que tal dispositivo gera um melhor desempenho
macroeconómico. De acordo com essas “pesquisas”, os bancos centrais
independentes poderiam agir “tecnicamente”, longe de pressões políticas
perniciosas. Com um argumento tão absurdo, seria igualmente necessário
autonomizar o Ministério das Finanças, pois a política fiscal também deveria
ser puramente “técnica”. Como sugerido por Ronald Coase, laureado com o prémio
do Banco Real da Suécia para as Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel,
os resultados desses estudos podem ser explicados: torturaram-se os dados até
que eles dizerem o que queríamos que eles dissessem.
No período
antes da crise, os bancos centrais autónomos dedicaram-se exclusivamente a
manter a estabilidade monetária, ou seja , a controlar a inflação, apesar dos
mesmos terem desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento de países
como o Japão ou a Coreia do Sul. Até os anos de 1970, o objectivo fundamental
da Reserva Federal dos EUA foi o de promover a criação de emprego e o
crescimento económico; foi só com as pressões inflacionárias do início dos anos
1970 que o objectivo de promover a estabilidade dos preços foi adicionado ao conjunto.
A prioridade dada à estabilidade de preços também significa, na prática, o
abandono de políticas para manter o pleno emprego de recursos na economia. A
tal ponto que, em vez de mitigar recessões e desemprego, a política fiscal,
comprimindo constantemente os gastos, os agrava.
Os bancos
centrais ditos "independentes" que se preocupam apenas para a
estabilidade monetária são parte do problema, não a solução. Eles são um dos
factores que impedem a Europa de sair mais rapidamente da crise. As capacidades
europeias continuam intactas. Vocês dispõem de tudo: o talento humano, os
recursos produtivos, a tecnologia. Acho que devemos tirar conclusões duras de
tudo isto: trata-se dum problema de coordenação social, isto é, de aplicação do
que se pode designar por política económica da procura. Ao invés, as relações
de poder, nos vossos países e no plano internacional, são totalmente favoráveis
ao capital, nomeadamente o financeiro, razão pela qual as políticas aplicadas
são contrárias ao seria socialmente desejável.
Matraqueados
pela suposta ciência económica e pelas burocracias internacionais, muitos
cidadãos estão convencidos de que “não há alternativa”. Mas estão errados.»
Aqui
ficou a sua conclusão, com a importante chamada de atenção para três pontos essenciais do texto:
- A responsabilidade pelo sobre-endividamento tem, no mínimo, que ser compartilhada entre devedores (os Estados) e credores (os bancos);
- O elemento fundamental da verdadeira ciência económica (enquanto ciência social que irrefutavelmente é) são as pessoas e não as corporações;
- Nas palavras do próprio Rafael Correa: «…muitos cidadãos estão convencidos de que “não há alternativa”. Mas estão errados.»;
que merecem ser referenciados, debatidos (nas suas implicações próximas e
futuras) e divulgados, em nome da defesa do pensamento económico e da
responsabilidade dos cidadãos actuais face aos vindouros.
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