quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A MEIA HASTE


Não fosse a gravidade da situação e a proposta do comissário europeu alemão, Günther Oettinger, de nos edifícios europeus pôr a meia haste as bandeiras dos países endividados teria sido acolhida com um coro de sólidas e sonoras gargalhadas; o pior é que a absurda proposta é um perfeito espelho do anacronismo, da incompetência e da estupidez daqueles a que tem sido entregue a direcção dos destinos comuns europeus e que em pouco se distingue (salvo pelo claríssimo ridículo) das ineficazes e improcedentes medidas propostas como solução europeia para a crise global. 

Dirigidos por líderes claramente incompetentes e incapazes de ouvirem mais que o coro de sequazes de que se rodearam (tanto ou mais incultos e incompetentes como eles), manietados pelos dogmas da democracia ocidental – nomeadamente o da representatividade dos eleitos – os cidadãos europeus continuam a assistir impotentes ao agravar duma crise para a qual, na sua generalidade, pouco contribuiram. Enquanto isso a crise sistémica progride e revela cada vez mais a falência das teses neoliberais, que, por incapacidade de reconhecerem factos básicos como sejam o da impraticabilidade da obtenção de equilíbrios financeiros socialmente aceitáveis em cenários de recessão económica, insistem na repetição dos seus mantras[1] enquanto prometem o maná a quem os seguir.


O busílis é que a situação europeia resulta da dupla incapacidade de reconhecer que sem crescimento económico (i.e. sem uma estratégia de promoção do emprego e da recuperação do consumo das famílias) não haverá reequilíbrio orçamental e que a correcção das assimetrias e das desigualdades entre as suas economias terá sempre que ter em linha de conta as razões históricas dessas divergências e que a sua resolução só será alcançável no pressuposto do respeito pelas diferenças.

A ridícula proposta agora formulada, na linha da que no início da crise sugeriu a venda de ilhas gregas para liquidação da dívida, revela demasiado duma mentalidade xenófoba e de superioridade racial que sempre aflora em períodos conturbados e que de imediato deveria ter sido rejeitada pelo presidente da comissão europeia, o tíbio Durão Barroso, e acompanhada da imediata demissão do proponente[2] (por muito que isso custe à chanceler Angela Merkel, que se diz que terá nomeado Oettinger, então ministro-presidente do estado de Baden-Württemberg, para comissário europeu com o objectivo de afastar um possível oponente interno), sob pena do seu silêncio se transformar em apoio explícito à proposta e em nova demonstração da incapacidade e inutilidade da Comissão Europeia que dirige e de iniciativas como a que sugere a notícia do PUBLICO de que «Durão Barroso pede um “novo momento federativo” na Europa para resolver a crise do euro», ele que até ao momento nunca conseguiu que os seus “pares” fizessem mais que o estritamente necessário para a defesa dos seus interesses pessoais e nacionais.


[1] Palavra ou expressão que repetida insistentemente permitirá, segundo as crenças hinduísta e budista, alcançar um estado de contemplação e meditação.
[2] E não, como sugere o eurodeputado Rui Tavares e é referido nesta notícia do PUBLICO, que a demissão apenas ocorra no caso do comissário não se retratar, pois é mais que tempo de deixar em claro (ou com um mero pedido de desculpas) comentários daquela natureza.

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