Apesar dos esforços dos nossos governantes, que remontam ao período de José Sócrates, a realidade persiste em contrariá-los e tudo indica que cada vez menos nos distinguimos da situação grega, a ponto de nas Previsões de Outono do FMI já se assegurar que «Portugal e Grécia são as únicas economias europeias em recessão até 2012», com antevisão de quebra no PIB de 2,2% no corrente ano e de 1,8% no seguinte. Estes números deverão ser acompanhados de taxas de desemprego de 12,2% e de 13,4% em 2012, confirmando os piores receios quanto ao agravamento das condições económicas no país.
A dureza destas previsões estende-se ao conjunto das economias “avançadas”, com a UE a aproximar-se duma situação de estagnação (crescimentos de 1,8% e 1,1%, respectivamente) e os EUA a situarem-se abaixo dos 2% (1,5% em 2011 e 1,8% em 2012) e com uma taxa de desemprego acima dos 9%, o que poderá até revelar-se francamente optimista, pois as expectativas não têm parado de se agravar.
Este cenário negro, onde as recentes notícias do PUBLICO de que o «Tribunal de Contas detecta novo buraco de 220 milhões na Madeira» e do ECONÓMICO de que «TC investiga aval de 1,6 mil milhões da Madeira» já nem suscitam reacções, apenas parece atenuar-se quando nos é dada a felicidade de sabermos que «Portugal é o país da Europa com mais auto-estradas» per capita; ou será que, pelo contrário, esta constitui uma das principais razões para o “buraco” em que nos meteram?
Terá afinal razão Alberto João Jardim quando afirma, como escreveu o EXPRESSO, que o «Pecado da Madeira foi querer a qualidade de vida da Europa»? E serão também pecados os vastos quilómetros de auto-estradas, a miríade de rotundas e demais “monumentalidades” de duvidosa utilidade e reduzida rentabilidade que nos colocarão ao nível da Europa?
A resposta para estas questões, que em caso algum passa por uma estratégia trauliteira à maneira de Alberto João Jardim, é relativamente fácil. Para os ignaros que nos governam, como para os que os antecederam, a resposta é naturalmente afirmativa, pois na sua profunda boçalidade apenas entendem o pouco que a vista alcança; já para quem se rodeie dos mínimos cuidados de gestão da coisa pública (no sentido em que esta deve ser entendida e que é o da satisfação prioritária das necessidades fundamentais) e de um genuíno intuito de melhoria da qualidade de vida das populações, é óbvio que muitas daquelas obras não passam de meras manobras eleitoralistas ou de justificação para o clientelismo empresarial mas sem efeito significativo no crescimento da economia.
Pecado, é que confrontados agora com a insustentabilidade dum endividamento originado numa política fiscal orientada principalmente para redução de impostos sobre o capital e os seus rendimentos e insuficiente desde a primeira hora para financiar a estratégia de “obra feita que luza o olho”, se pretenda corrigir aquele desvio mediante o agravamento da imposição fiscal sobre o factor trabalho e a total asfixia do investimento público, numa fase em que o crescimento económico é mais crucial que nunca.
Pecado ainda maior é a peregrina ideia defendida pelo FMI/BCE/FEEF, os mesmos que sustentaram a incorrecta política de redução de impostos sobre o capital, e prontamente aceite pelos partidos que têm monopolizado o poder em Portugal (PS, PSD e CDS), de que a austeridade social e o aumento do endividamento permitirão resolver o pagamento aos credores (a sua única preocupação); a esses há que responder, não com os falaciosos argumentos de Alberto João Jardim, mas antes como uma corajosa e bem sustentada política de auditoria da dívida – distinguindo de forma muito clara o que deve ser pago daquilo que não constitui senão um bem elaborado processo de enriquecimento sem causa –, de rescalonamento dos prazos em conformidade com o crescimento económico efectivamente registado e de total inversão do modelo de financiamento público, centrando-o não no sector financeiro mas exclusivamente junto dos bancos centrais.
Nem confrontados agora com a notícia de que os «EUA e Europa aproximam-se de uma nova recessão» parecem os guardiões do credores (FMI/BCE/FEEF) conscientes da necessidade de revisão das premissas recessivas que a sua proposta de combate aos défices implica e os próprios governos europeus revelam-se incapazes doutra actuação que não a da aprovação de sucessivos programas de austeridade, como se confirma quando se lê que a «Grécia prepara novo pacote de austeridade» ou de forma mais eufemística quando se anuncia que a «Itália reage a corte de “rating” com medidas estruturais», mas que na prática consistem na aplicação do tradicional Consenso de Washington, expresso em benefícios fiscais ao investimento em infra-estruturas e banda larga, na construção duma auto-estrada de Roma a Veneza e na liberalização no sector dos serviços e na privatização de empresas públicas.
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