Mas na realidade parece que é isso mesmo que se prepara para acontecer, não como reflexo da loucura dos deuses, mas como evidente consequência da loucura dos homens... daqueles que, instalados nas confortáveis cadeiras do conselho de administração do maior banco português, se julgaram senhores todo-poderosos e além do clamoroso erro de avançarem para uma “guerra” com o BPI ainda o fizeram no que se viria revelar uma posição de grande fragilidade. Fragilidade porque não revelaram argumentos para persuadir os oponentes à “rendição” e acabaram por expor os seus próprios erros de gestão, com a agravante de revelarem práticas totalmente desprovidas de ética e que deveriam ditar, no mínimo, a suspensão da cotação em bolsa[1].
Afastado Paulo Teixeira Pinto, o delfim que Jardim Gonçalves impusera, tornados públicos os escandalosos perdões de dívidas (a accionistas especiais – Goes Ferreira – e ao próprio filho de Jardim Gonçalves[2]), os negócios pouco claros que rodearam algumas das operações de aumento de capital (com o próprio banco a financiar sociedades offshore para assegurar o sucesso e o controlo das novas acções), seguiram-se os rocambolescos episódios das assembleias gerais e o crescente desprestígio do fundador atinge os mínimos quando a “generosa oferta de fusão” proposta pelo BPI e que se apressara a apadrinhar é recusada pelos grandes accionistas.
Nas vésperas de mais uma assembleia geral, com a qual se pretenderia abrir o novo ano e talvez um novo período na vida do banco, eis que surge a CMVM[3] a confirmar a ilegalidade de algumas práticas de gestão e o Banco de Portugal a aconselhar a anulação da já anunciada recandidatura de Filipe Pinhal, o sempre fiel compagnon de route de Jardim Gonçalves, e de Christopher de Beck.
Apadrinhada pelos principais accionistas, entre os quais se conta Joe Berardo, a mais recente descoberta mediática nacional, deverá surgir a candidatura do actual presidente do conselho de administração da CGD, Carlos Santos Ferreira, para o lugar que Filipe Pinhal deixará vago. Como em qualquer “thriller” hollywoodesco enquanto o centro do drama é ocupado pela disputa em torno da cadeira do número um do conselho de administração, outros pequenos dramas se vão desenrolando à sua volta.[4]
Da imaginação dos intervenientes resultará a qualidade do produto final, mas para já não tenho qualquer dúvida em atribuir a todo este imbróglio o título de acontecimento do ano, não tanto pela dimensão e efeitos colaterais que possa ter, mas principalmente por revelar a forma manifestamente desadequada como funciona o universo empresarial nacional.
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[1] Importa lembrar que a responsabilidade do acto é muito maior face ao facto do BCP se encontrar cotado no mercado de Nova Iorque e as repercussões que daí poderão advir ainda não são conhecidas.
[2] Sobre estas questões ver os posts: BCP ANULA DÍVIDA DE FILHO DE JARDIM GONÇALVES e CONTINUA A SAGA NO BCP, que por sua vez remetem para fontes consultadas na época
[3] CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários é o organismo público português que tem poderes para regular e supervisionar todas as matérias referentes ao mercado de valores mobiliários e a actuação dos diversos integrantes do mercado. (in Wikipedia)
[4] A realidade, no panorama nacional, ultrapassa em muito a figura de estilo da ficção cinematográfica aqui utilizada. Vejam-se as múltiplas notícias que vão surgindo sobre as “negociações” em torno da escolha de Carlos Santos Ferreira e recorde-se que a sua saída da CGD irá obrigar à nomeação de uma nova administração para aquele banco público, pelo que até lá vai ser muito concorrida a “dança de cadeiras” que sempre ocorre nestas circunstâncias.
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