domingo, 9 de dezembro de 2007

O QUE FIZERAM AO MEU VOTO?

Ainda que possa parecer profundamente egoísta (ou narcisista) esta pode (e deve) ser uma pergunta que todos os cidadãos eleitores deste país deverão fazer enquanto se preparam alterações às leis eleitorais.

Mesmo sem querer pegar na questão pelo estafado ponto de vista que se está a preparar mais uma manobra político-partidária nas costas de todos os nós – quantas foram as leis estruturantes até hoje produzidas de forma perfeitamente clara e transparente – qualquer pessoa entenderá que o resultado (seja ele qual for) irá beneficiar particularmente os dois maiores partidos nacionais – PS e PSD.

Desde a peregrina ideia de assegurar maiorias nos executivos camarários[1] até à de criar novos círculos eleitorais (nominais ou de outro tipo) nas eleições nacionais, tudo indicia que os nossos políticos se preparam para nos sujeitar a um sistema eleitoral cada vez mais orientado para um saudável (para eles) bipartidarismo.

Mas será realmente deles – os políticos – a responsabilidade por esta nova orientação?

Não será muito mais curial (apesar de menos agradável e confortável) começarmos por olhar para nós próprios e questionarmo-nos sobre o que fizemos para que isto nos acontecesse?

Estas questões já foram objecto da reflexão de alguns dos nossos modernos pensadores, dos quais destaco Eduardo Prado Coelho, que escreveu há uns tempos[2] numa das suas habituais crónicas no PUBLICO, que intitulou «CONSTRUIR UM PAÍS», que «a crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates. O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria-prima de um país». Um pouco na mesma linha de pensamento, mas colocando a ênfase nas organizações políticas, escreveu em finai de Setembro no DN, Manuel Maria Carrilho: «Portugal está assim, três décadas depois do 25 de Abril, refém de uma poderosa tenaz política, entalado entre partidos profundamente esclerosados e uns ocasionais ímpetos independentistas, sem verdadeira coerência ou consistência».

Embora discordando do muito que a seguir argumenta, nunca Manuel Maria Carrilho terá sido tão preciso a descrever a situação que vivemos. Bem pode clamar contra os pretensos independentes – que como bem diz, normalmente não passam de «dissidentes de ocasião» – ou contra o alheamento – que na prática conhece expressão na crescente abstenção – que não creio que seja no interior das actuais estruturas partidárias que encontrará as condições para a respectiva revitalização. A reconquista da credibilidade a que alude – indispensável sem qualquer margem para dúvida – parece-me completamente impossível quando o que distingue aqueles dois partidos é um zero quase absoluto.

Mesmo que se entenda algum desgaste ao nível ideológico, em consequência das grandes mudanças registadas na segunda metade do século XX, com a implosão da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e a crescente aproximação do pragmático comunismo chinês a um sistema capitalista tornado quase dominante e que se acuse a chamada globalização de ter uniformizado a forma de pensamento geral, a responsabilidade pelo total vazio de ideias que impera no PS e no PSD é da exclusiva responsabilidade das cliques que têm partilhado as respectivas lideranças, não pela sua completa inépcia, mas pela habilidade com a transformaram em condição sine qua non para ao cesso ao poder.

Quando as estruturas partidárias dominantes (PS e PSD) na ânsia de manterem sempre “um pé no poder” aceitaram enredar-se numa teia de interesses e favores mútuos, iniciaram um processo que apenas poderá culminar na transformação do sistema político português em algo semelhante ao norte-americano, onde além do bipartidarismo impera um sistema onde pouco ou nada distingue Republicanos de Democratas.

O “centrão”, como tantas vezes é referido entre nós esta tendência para a bipartidarização, longe de contribuir para uma estabilização da vida política nacional, acabará por redundar num cenário quase surrealista em que os políticos se elegerão entre si e, pior, viverão convencidos das virtualidade e da magnanimidade da total vacuidade da sua existência.

Por muito bem intencionadas que possam ser as teses de acção propostas por Manuel Maria Carrilho, aquilo que os cidadãos comuns deste país têm vindo a constatar é que desde que em meados da década de 80 do século passado se registou a primeira maioria absoluta de um dos dois partidos (PSD, na altura com Cavaco Silva), que não parou de alastrar a mediocracia que hoje conhecemos e que grandemente responsável pelo actual clima de corrupção e suspeição que se instalou nos mais diversos níveis da administração pública.

Quem estranhará que um estudo realizado pelo Centro de Estudo Sociais do ISCTE aponte as autarquias, as forças de segurança e administração central como os principais focos de corrupção no país?

Que outra coisa se poderá esperar de uma sociedade onde os valores morais – a responsabilidade, o conhecimento, a isenção e a verticalidade – cederam o papel de referência ao arrivismo e ao ganho fácil e rápido?

Talvez não esteja ainda tudo perdido... talvez, quando PS e PSD cozinham as alterações mais favoráveis à actual legislação eleitoral, seja esta uma boa oportunidade para fazermos ouvir as nossas vozes exigindo alterações que introduzam verdadeiros efeitos positivos, tais como:

  • a aplicação de critérios menos onerosos às candidaturas não partidárias nas eleições autárquicas;
  • a contagem dos votos brancos como votos validamente expressos;
além da indispensável redução do número de deputados e da melhor adequação do funcionamento do parlamento ao actual papel de controlo dos poderes político e executivo.

Talvez ainda se vá a tempo de introduzir nos processos eleitorais deste país alguma dignidade...
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[1] Ver, por exemplo, esta notícia do DN.
[2] Infelizmente desconheço a data de publicação, pois apenas disponho de uma cópia não datada do texto.

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