Na
abertura da 7ª Conferência da Central de Balanços do Banco de Portugal, o seu
governador, Carlos Costa, referiu-se à questão do financiamento às empresas e à
crónica falta de capitais próprios defendendo a necessidade «...de um quadro fiscal e creditício que
transforme a empresa num projeto comum de proprietários, gestores e
trabalhadores».
Estivéssemos
nós no Paraíso (ou em qualquer outro lugar ficcional) e esta referência até
poderia ser entendida como positiva ou bem intencionada. Sucede, porém, que
vivemos num país onde esta deficiência além de crónica é histórica, tendo
atravessado sucessivas soluções governativas, desde a Monarquia à República e
passando pelo Estado Novo. Remonta aos primórdios da introdução da manufactura
(realizada sob a protecção ou o beneplácito do poder), transferiu-se para o
processo de industrialização (tardio e invariavelmente orientado para produtos
com reduzido valor acrescentado) e arrastou-se até aos nossos dias graças á
política de monopólios estatais com que a Monarquia procurou suster a sua queda
e ao condicionamento industrial do Estado Novo que o que fez foi proteger os
lucros de umas quantas grandes famílias.
À boa maneira
portuguesa (ou latina, se preferirem) o capitalismo nacional cresceu (pouco)
mediante o recurso a expedientes e ao crédito bancário, solução que a crise
sistémica, despoletada com a falência do banco de investimento norte-americano
Lehman Brothers, quase inviabilizou quando fez desaparecer da noite para o dia
os colossais activos que a banca mundial afirmava possuir e afinal pouco ou
nada valiam.
Nada
disto parecerá estranho para quem tenha acompanhado a situação das empresas
nacionais nos últimos anos e no já distante ano de 2009 escrevi no post «O
PROBLEMA É O CRÉDITO» a propósito da forma como os bancos centrais dos EUA
e da UE estavam a tentar contrariar a crise que a «...redução das taxas directoras não está a ter o desejado efeito de
relançamento da economia porque, contrariamente ao afirmado por muitos
especialistas o verdadeiro problema não está na falta de liquidez (ou até de
confiança), mas sim no excessivo endividamento dos Estados, das empresas e das
famílias, processo que foi suportado e alavancado em pressupostos de
valorização irreal dos activos (empresas e imóveis)», pois estes sinais
eram evidentes há muito tempo.
A
forma de ultrapassar esta situação não é naturalmente fácil, mas
substancialmente complicada quando o próprio tecido empresarial nacional
(maioritariamente constituído por PME e microempresas) persiste em não
enfrentar o problema. A crónica escassez de capitais próprios nunca será
resolvida mediante o aumento do recurso ao crédito, como se pretende fazer crer
o sistema financeiro e o governador do Banco de Portugal.
Se
a realidade mostra que raros foram os casos de sucesso e que essa ideia apenas
tem conseguido o aumento dos lucros do sistema financeiro, será de procurar uma
solução diferente, para o que serão necessárias novas abordagens. Entre estas
conta-se a ideia da transformação do crédito num bem público, ou seja, a de minimizar
aquela que actualmente é a sua principal função: a de acumulação e concentração
da riqueza.
Se houvesse
melhor distribuição da riqueza anualmente gerada em cada economia e o crédito fosse
fundamentalmente utilizado enquanto instrumento de desenvolvimento – aplicado
em projectos efectivamente rentáveis e de interesse geral, a taxas suportáveis
e geradores de mais bens e serviços e da consequente melhoria das remunerações
salariais – e desnecessário enquanto meio para suprir necessidades de consumo,
nem as famílias ou os Estados estariam na situação de sobreendividamento que
hoje conhecemos, nem muitas das PME e microempresas viveriam uma situação de
asfixiante dependência financeira.
Esta ideia,
que nada tem de revolucionário, choca com o discurso neoliberal que defende a
justiça da ambição e do egoísmo pessoais e coloca o enriquecimento individual e
a qualquer preço como a prova suprema do sucesso social, escondendo que a
riqueza desmesurada usufuída por uma minoria rodeada de miseráveis não é apenas
socialmente condenável (há até quem simplesmente lhe chame pornográfica) como
será insustentável a prazo...
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