quarta-feira, 4 de novembro de 2015

BANHO TURCO

O resultado das eleições antecipadas que no passado fim-de-semana tiveram lugar na Turquia e que ditaram o regresso do AKP (o islâmico e conservador Partido Justiça e Desenvolvimento) a uma maioria absoluta que os resultados eleitorais de Junho lhe retiraram, requer apreciação especialmente ponderada na actual conjuntura regional e global

Do ponto de vista da política interna turca, o resultado de Domingo não garante ao presidente Erdogan as condições parlamentares (maioria de 3/5 dos deputados) necessárias para alterar a Constituição e reforçar os seus poderes; para o alcançar terá de voltar a adiar a ideia até às próximas eleições (segundo o calendário eleitoral 2019 será um ano com eleições legislativas e presidenciais, às quais Erdogan se pode recandidatar) ou de negociar com alguma das forças políticas, sendo que se antecipa que a principal força da oposição, o CHP (Partido Republicano Popular), que elegeu agora 134 deputados contra 132 em Junho, não estará muito disponível para apoiar a estratégia de Erdogan e do seu AKP, nem o HDP (Partido Democrático Popular, formação de esquerda que agrega a generalidade da minoria curda) e que sempre tem sido desvalorizado pelo dominante AKP.

Resta então o MHP (Partido de Acção Nacionalista), que ao perder 40 dos 80 deputados eleitos em Junho, pagou a factura de não ter viabilizado o governo do AKP e poderá agora inflectir essa estratégia.

Mas mais intrincado que o panorama político interno é a situação internacional, onde a Turquia mantendo a sua oposição a Bashar al-Assad alterou recentemente o seu posicionamento face ao Daesh, passando a alinhar com as posições norte-americanas de combate directo ao Estado Islâmico, nem que seja para disfarçar a sua real intenção: a intensificação do combate aos peshmergas curdos que constituindo a melhor força opositora ao Daesh, ameaçam controlar um território na fronteira entre a Turquia, a Síria e o Iraque e fazer renascer a esperança num Curdistão independente.

O reacender dos confrontos com os guerrilheiros curdos – anunciados no plano internacional na linha do combate ao terrorismo internacional – até poderá ter resultado na recuperação da maioria absoluta, mas o maior ganho terá sido o oferecido durante a recente visita da chanceler alemã; é que se «Merkel foi à Turquia pedir ajuda de Erdogan para conter fluxo de refugiados» o resultado foi a declaração onde «Merkel defende ajuda económica à Turquia e migração regulada para a UE», ou contrariando o que anteriormente dissera, que «Merkel compromete-se a apoiar adesão da Turquia à UE».


É certo que há algum tempo que os dirigentes da UE relegaram para o rol das preocupações menores a questão da democracia – veja-se o que acontece com os regimes de alguns estados do antigo bloco de leste ou até com o modelo de imposição de regras comunitárias – mas que depois de terem participado activamente no derrube do regime líbio do coronel Kadhafi, parecem gora dispostos a “apoiar” um regime vagamente democrático, como o que o AKP tem vindo a impor na Turquia, e, qual banho turco, até a apoiar a sua integração no espaço da UE, a troco deste conter o fluxo de fugitivos provocado pelas guerras regionais que americanos e europeus continuam a fomentar no Médio Oriente.

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