sábado, 7 de fevereiro de 2015

REALISMOS

Muitos têm sido os cabeçalhos jornalísticos que nos últimos dias têm surgido sobre a Grécia e o diferendo que opõe o actual governo, liderado por Alexis Tsipras, e uma UE onde prevalece o dogma ordoliberal da “austeridade expansionista”, com especial destaque para os que não têm perdido o ensejo para denegrir os esforços helénicos. Curiosamente, ou talvez não, a imprensa especializada estrangeira, nomeadamente o ECONOMIST e o FINANCIAL TIMES, tem sido mais comedida a respeito das propostas gregas.

Enquanto de forma nem sempre muito esclarecedora a imprensa vai dizendo que a «Grécia deixa cair perdão de dívida e pede reembolsos ligados ao crescimento» e a realização de reuniões com vários dirigentes europeus confirmam a mudança de estratégia onde a «Grécia vai trabalhar com as instituições europeias e não com a troika», o que representa uma clara inversão do modelo em uso  que a própria UE já reconhecera quando surgiu o anúncio de que «Bruxelas admite desmantelar troika como concessão à Grécia».


Os resultados das passagens por Roma e Paris, onde «Grécia e Itália alinham discurso por uma "Europa de crescimento"» enquanto de Paris se fala em «Aliviar dívida grega sim, perdoar não», são de algum modo exemplo das diferentes sensibilidades na abordagem do problema. Quando a «Alemanha quer que Grécia coloque promessas de lado e mantenha compromissos» não se estranha que os servilíssimos Rajoy ou Passos Coelho disso se façam eco, nem o anúncio que o «BCE deixa de aceitar dívida grega como garantia para financiar a banca do país», numa estratégia que, fomentando o risco da moeda única, poderá revelar-se calamitosa para o conjunto da Zona Euro.

Esta óbvia forma de pressão sobre os gregos foi respondida de imediato nas ruas de Atenas e pela voz do próprio primeiro-ministro quando este afirmou que a «"A Grécia não aceitará mais ordens, sobretudo ordens recebidas por email"», cimentando a ideia que os eleitores poderão ter escolhido quem efectivamente defenda o interesse nacional e esvaziando parcialmente o conteúdo da medida e de declarações como aquela onde Jean-Claude «Juncker diz que UE não vai mudar tudo devido a resultados eleitorais na Grécia».

Enquanto isto, no rescaldo duma reunião onde «Schäuble e Varoufakis assumem discordar sobre quase tudo», ficámos também a saber que para o ministro alemão as «“Promessas às custas dos outros não são realistas”», argumento aplicado às intenções do governo grego de ver alterados os termos da sua dívida mas que não terá sido das ideias mais brilhantes de Schäuble, pois, na essência, igualmente irrealista será esperar que as economias reduzidas ao estado de indigência alguma vez lograrão pagar as suas dívidas. Esta velha sanha contra os países periféricos da Europa, que tem sido alimentada nos países do Norte europeu sob a capa duma moralidade controversa, parece cada vez mais alimentada pelas fragilidades internas duma Alemanha que continua a escamotear os elevados riscos associados ao seu sistema de segurança social e de fundos de pensões (já em 2011 havia quem apontasse uma dívida escondida de cinco biliões de euros) e a fragilidade do seu sistema financeiro regional.

Ainda que o anúncio de que o «Eurogrupo convoca reunião extraordinária para debater a Grécia» represente mais uma manobra no sentido de isolar a Grécia – fazer uma reunião do Eurogrupo, órgão claramente dominado pela ortodoxia austeritária, nas vésperas duma cimeira europeia onde as hipóteses de crítica àquela prática serão maiores – seria mais realista que políticos e comentaristas esperassem pelo seu desfecho antes de persistir numa bacoca condenação generalizada dum esforço legítimo e que, contrariamente ao que se pretende fazer crer, não tem forçosamente que estar condenado ao insucesso.

Sem comentários: