A decisão de
não levar a julgamento o polícia indiciado pela morte dum jovem desarmado, na
localidade norte-americana de Ferguson, reacendeu a contestação e a polémica
numa sociedade que recusa a evidência dos seus problemas raciais. Mesmo sem abordar
as questões de natureza jurídica e processual que envolveram a decisão dum
grupo de jurados que na presença de informações contraditórias e abandonado à
sua sorte por um promotor público que assim julgou ultrapassar um possível conflito
de interesses (o pai, agente da polícia, foi morto por um negro) demitindo-se
de qualquer participação nas deliberações.
A morte do
jovem Michael Brown, no passado mês de Agosto, já correu mundo e foi objecto
das mais variadas interpretações; porém, meses volvidos muitas coisas
permanecem por explicar e outras tantas por esclarecer. Por exemplo o número
exagerado de projécteis com que foi atingido, situação que parece apontar mais
para uma reacção de pânico ou de mero acto de vingança que para a anunciada
resposta a uma tentativa de resistência à detenção.
Será que a
recorrente ocorrência de mortes de cidadãos negros às mãos de agentes da
polícia (invariavelmente brancos) se deve apenas ao lamentável desenho dos
alvos usados para treino? ou as razões são bem mais prosaicas, mas
politicamente incorrectas?
Apesar de
claramente exagerada, a leitura dos acontecimentos feita a partir de Moscovo, cujo
Ministério dos Negócios Estrangeiros assegura que os «Tumultos
em Ferguson ilustram massivos problemas internos», não deixa de apontar uma
direcção que obviamente ninguém na Casa Branca subscreverá: os EUA continuam a
debater-se com uma situação de delicado equilíbrio racial.
Depois dos
conturbados anos de luta pelos direitos da maioria negra e quando o país até
exibe um presidente negro, eis que o anúncio da ilibação do agente Darren
Wilson está a servir de rastilho para a contestação e enquanto a «Indignação
de Ferguson alastra aos quarto cantos dos Estados Unidos» parece cada vez
mais evidente que o mal-estar existe e é claramente percepcionado por uma
comunidade que se sente desprotegida.
Há pouco mais
de meio século a comunidade negra norte-americana uniu-se, lutou e conseguiu
ver abolidas as leis de segregação racial que ainda imperavam, desde então esta
mudança social parece ainda não ter sido assimilada pelas estruturas policiais,
continuando por efectuar, na prática, a indispensável mudança de mentalidades
nos diferentes escalões de comando, algo perfeitamente exequível se tivermos em
conta a experiência de “democratização” das forças de segurança nacionais após
a queda do Estado Novo.
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