As notícias e
os comentários sobre os escândalos de corrupção e os processos judiciais
mediáticos estão a deixar passar em claro um acontecimento verdadeiramente
importante para a esmagadora maioria dos portugueses: a aprovação dum Orçamento de Estado para 2015 que repete os erros técnicos
de anos anteriores e que insiste numa política de insensibilidade social e na
redução das funções do Estado enquanto mantém as desgastadas opções despesistas
e a perpetuação dum modelo de injustiça fiscal.
Enquanto a
preocupação informativa se centra na discussão de vantagens e inconvenientes da
prisão de personalidades ou onde (A nova casa do ‘Animal Feroz’)
e com quem irão partilhar as agruras da detenção (Os vizinhos de Sócrates na prisão),
permanecem por divulgar comentários, para debate e esclarecimento da opinião
pública, como o apresentado por Eugénio Rosa, sobre o verdadeiro confisco
fiscal que se avizinha, traduzido no facto de que «Em 2015 os portugueses pagarão mais
€2.006 milhões de impostos e as empresas menos €892 milhões», com a
agravante deste benefício ser maioritariamente encaixado pelas grandes
empresas.
Dito de outra
forma (como o fez o Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra no seu último Barómetro da Crise); entre 2007 e 2015 a
cobrança do IRS aumentou 45% e a do IVA 10% enquanto a cobrança do IRC foi
reduzida em 18%, ou seja: as famílias (trabalhadores por contra doutrem e
consumidores) suportam o agravamento da carga fiscal em benefício das empresas
e em especial das grandes empresas.
Quando
do centro financeiro da Europa, Frankfurt, chega a informação que o «BCE pode ter de avançar para a compra de dívidas
soberanas» ou da Alemanha se ouvem avisos de que «"Estamos todos a viver num
esquema Ponzi"», dizer que um «Orçamento
de "rotina" esquece reforma do Estado» ou lembrar que até
o «Conselho Económico e Social arrasa
orçamento para 2015» não chega para fomentar um debate que a
corrente ordoliberal continua a boicotar.
Esta táctica
de limitação do debate, preconizada pelo PSD e pelo CDS, tem servido para a
perpetuação duma política que a coberto da necessidade de saldar a dívida mais
não tem feito que garantir uma clara transferência de riqueza das classes
trabalhadoras (assalariados e pequenos empresários) para os detentores de
capital (grandes empresários e rentistas).
O sofisma é
tal que até das mais recentes alterações no IRS (alteração de escalões e
mecanismo de deduções) resultou um considerável agravamento da carga fiscal
sobre os rendimentos mais baixos em benefício duma redução sobre os rendimentos
mais elevados (acima dos 100.000€/ano), mas que os seus autores, tomando o todo
pela parte, têm despautério de apresentar como um benefício e asseguram que
aquela «Reforma devolve 4% do aumento do IRS
às famílias».
Mas a
insensibilidade do OE para 2015 não se reduz às questões fiscais, nem todos os
problemas se encontram no lado da receita, ou não teriam sido propostas
limitações às prestações sociais não contributivas – as que mais beneficiam as
famílias de menores recursos – precisamente quando aumentam os sinais de
vulnerabilidade social. Transferir do OE para as IPSS o apoio a estas famílias,
como se está a fazer, configura a segunda vertente dum plano que, reduzindo as
despesas, privará os cidadãos mais desfavorecidos da dignidade que lhes resta,
substituindo-a por um modelo de apoio caritativo intermediado por instituições
privadas.
As soluções de
natureza ordoliberal que passam pela redução do papel do Estado e são
justificadas como única via para resolver uma crise que foi originada nos seus
próprios dogmas de desregulamentação, estão a atirar os segmentos da população
socialmente mais desprotegidos para uma situação de pobreza e a condenar as
gerações mais jovens à indigência, seja pela incapacidade de gerar novos postos
de trabalho seja pela repetida redução da sua formação (inevitável face à contínua
redução dos orçamentos para a Educação) e ao desespero.
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