Não é habitual
que a humildade e a capacidade de reconhecer os erros cometidos (com a
consequente inversão de estratégias) seja apanágio dos líderes que nos têm
calhado em sorte, pelo que ninguém estranhará verdadeiramente que a sua a incapacidade
de ouvir e entender as críticas seja regularmente confundida como convicção,
persistência ou até resiliência; jamais teimosia, mera impreparação ou pura
incapacidade e nunca associada à verdadeira origem da desadequação para a
tomada de decisões.
Não se estranhe pois que Passos Coelho tenha afirmado recentemente que «Apesar
da crise, "quem se lixou não foi o mexilhão"». Incapazes, como se têm revelado, de
entenderem a situação do País que pretendem governar, da UE que asseguram
querer acompanhar e do Mundo que os rodeia, os nossos dirigentes desdobram-se
em declarações tão desajustadas quanto irrealistas enquanto repetem os
inevitáveis mantras da eficácia dos mercados (leia-se: a submissão aos
interesses financeiros), da superioridade da iniciativa privada (leia-se: a
aceitação do sacrossanto princípio do lucro pessoal a expensas do interesse
geral) e da maravilha que é o seu mundo ideal.
Para quem,
como eles, elegeu uma solução baseada no dogma do equilíbrio financeiro a
qualquer custo e no empobrecimento generalizado (que não total, pois em meados
deste ano foi notícia um estudo do BCE segundo o qual «Um quarto da riqueza de Portugal está nas mãos de 1%
da população», valor que assume contornos bem mais definidos
quando clarifica que «[e]ntre
os nove países da zona euro analisados, Portugal é o terceiro país com uma
maior concentração da riqueza, apenas atrás das Áustria e da Alemanha»)
não se estranha a limitação ao entendimento das críticas; assim, auto-congratulam-se
e exibem duvidosas afirmações, como a de que a «Taxa
de desemprego recua para 13,1%», mesmo quando o próprio Banco de Portugal
admite, cautelosamente, que a «Economia
está a criar menos emprego do que diz o INE».
Só um completo
vazio de ideias, associado ao dogmatismo ordoliberal, pode justificar que o
mesmo Passos Coelho tenha afirmado recentemente que «"Não há
esquerda nem direita, há bom governo e mau governo"», como se a
formulação de opções políticas se resumisse a um credo único e à obediência
cega em postulados de duvidosa consistência técnica e clara refutação prática,
como o da disciplina orçamental. Na incapacidade de elucubrar qualquer réstia
de pensamento próprio ou de formular outra argumentação salvo a que assenta na
crendice, toma-se a parte pelo todo e recua-se aos tempos da medieva panaceia
para todos os males.
Quem se revela incapaz de formular ou sequer entender outra argumentação,
agarra-se, agora como então, à receita que levou a sangrar até à morte milhões
de pacientes, com a diferença que a existência na actualidade de melhores e
mais rápidas formas de difusão da informação e das ideias conduz à rápida
denúncia deste tipo de estreiteza de pensamento, que apenas a surdez
intelectual os impede de entender.
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