Quando
alguma da poeira começa a querer assentar sobre o fim do BES, talvez já se
possa escrever algo mais que o mero lugar-comum de vituperar Ricardo Salgado (o
banqueiro falido) pela catástrofe, ou endeusar Carlos Costa (o governador do
banco central) pela solução sem custos para o contribuinte, quando afinal a «Ministra
já admite custos para os contribuintes» e até «Passos
Coelho também admite que contribuintes podem ter de suportar perdas»,
talvez julgando que já esquecemos que «Passos,
Maria Luís, Costa e Cavaco: todos garantiram que não havia custos para
contribuintes com resgate do BES».
O
fim do Grupo Espírito Santo (GES) e do BES constitui um inegável marco na
história empresarial nacional contemporânea, história a que não tem faltado
quem lembre o feito notável da recuperação duma família que, espoliada na
sequência do 25 de Abril de 1974, veio em 1986, com a reabertura do sector
financeiro à iniciativa privada, a reconstruir e ampliar o seu império
empresarial, graças ao seu esforço e à sua superior capacidade de liderança e
condução dos negócios. Da singela casa de câmbios e de venda de lotarias,
fundada em 1869 por José Maria do Espírito Santo Silva, até ao império
financeiro e industrial agora desmoronado passámos do capitalismo industrial ao
apogeu da sua vertente financeira, como o que isso representou de miséria
humana e de desenvolvimento social.
Mesmo longe do
balanço final, há uma conclusão já hoje inegável: a extinção do BES é mácula indelével no dogma da superioridade da
gestão privada sobre a congénere pública. Esta conclusão não constituirá
novidade universal, mas tem sido tal a sanha dos seus defensores e tamanha a
menorização dos seus contraditores que de tão repetida a mentira ganhou foros
de verdade. Sendo garantido que a qualidade da gestão depende directamente da
qualidade da equipa gestora, tem sido facto corrente (transformado também ele
em verdade absoluta) que o modelo de nomeação política dos gestores públicos
redunda quase inevitavelmente na escolha dos menos capazes.
Houvesse outro
empenho na selecção que não o da satisfação das clientelas políticas e o dos
interesses privados ávidos do rápido (e barato) acesso aos bens públicos e o tecido
produtivo nacional não estaria destruído a ponto da quase irrelevância (como o
comprova a situação da PT e da TAP), nem serviços da relevância dos CTT (a
importância para a coesão social dum serviço postal público é tal que nem os
EUA alguma vez pensaram privatizar a US Postal) nunca teriam sido vendidos como
foram.
O dogma que a
realidade agora desmascarou já nos custou demasiado, mas há quem continue a
negar a evidência e, quando a «Maioria
rejeita iniciativa de cidadãos para manter água no domínio público»,
insista na maior das vilanias: a privatização das águas.
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