sábado, 18 de outubro de 2014

PELA BOCA MORRE O PEIXE

Quando alguma da poeira começa a querer assentar sobre o fim do BES, talvez já se possa escrever algo mais que o mero lugar-comum de vituperar Ricardo Salgado (o banqueiro falido) pela catástrofe, ou endeusar Carlos Costa (o governador do banco central) pela solução sem custos para o contribuinte, quando afinal a «Ministra já admite custos para os contribuintes» e até «Passos Coelho também admite que contribuintes podem ter de suportar perdas», talvez julgando que já esquecemos que «Passos, Maria Luís, Costa e Cavaco: todos garantiram que não havia custos para contribuintes com resgate do BES».


O fim do Grupo Espírito Santo (GES) e do BES constitui um inegável marco na história empresarial nacional contemporânea, história a que não tem faltado quem lembre o feito notável da recuperação duma família que, espoliada na sequência do 25 de Abril de 1974, veio em 1986, com a reabertura do sector financeiro à iniciativa privada, a reconstruir e ampliar o seu império empresarial, graças ao seu esforço e à sua superior capacidade de liderança e condução dos negócios. Da singela casa de câmbios e de venda de lotarias, fundada em 1869 por José Maria do Espírito Santo Silva, até ao império financeiro e industrial agora desmoronado passámos do capitalismo industrial ao apogeu da sua vertente financeira, como o que isso representou de miséria humana e de desenvolvimento social.

Mesmo longe do balanço final, há uma conclusão já hoje inegável: a extinção do BES é mácula indelével no dogma da superioridade da gestão privada sobre a congénere pública. Esta conclusão não constituirá novidade universal, mas tem sido tal a sanha dos seus defensores e tamanha a menorização dos seus contraditores que de tão repetida a mentira ganhou foros de verdade. Sendo garantido que a qualidade da gestão depende directamente da qualidade da equipa gestora, tem sido facto corrente (transformado também ele em verdade absoluta) que o modelo de nomeação política dos gestores públicos redunda quase inevitavelmente na escolha dos menos capazes.

Houvesse outro empenho na selecção que não o da satisfação das clientelas políticas e o dos interesses privados ávidos do rápido (e barato) acesso aos bens públicos e o tecido produtivo nacional não estaria destruído a ponto da quase irrelevância (como o comprova a situação da PT e da TAP), nem serviços da relevância dos CTT (a importância para a coesão social dum serviço postal público é tal que nem os EUA alguma vez pensaram privatizar a US Postal) nunca teriam sido vendidos como foram.

O dogma que a realidade agora desmascarou já nos custou demasiado, mas há quem continue a negar a evidência e, quando a «Maioria rejeita iniciativa de cidadãos para manter água no domínio público», insista na maior das vilanias: a privatização das águas.

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