Não são raras
as vezes em que ao iniciar cada novo “post”
me interrogo sobre a respectiva utilidade. Tal é a sensação de inutilidade que
me assola de cada vez que volto a bordar questões como a das origens da crise
das “dívidas denominadas em euros” ou pretensas soluções como a da
“austeridade-expansionista”, que não poucas vezes tenho ponderado desistir de
remar contra a maré, guardando para minha exclusiva saciedade intelectual as
ideias e argumentos que aqui vou alinhavando.
O pensamento
unificado, aceite e reconhecido, exercido na Europa sob a égide da escola ordoliberal
alemã, tudo tem estiolado em redor; seja por convicção dos comentadores, por
estipêndio directo (como diria Baptista Bastos) ou na expectativa de dele vir a
beneficiar, raras são as excepções na quebra da regra: na imprensa nacional não
há lugar à apresentação de teses ou hipóteses contrárias aos magnânimos
benefícios e à sacralizada receita austeritária, para exorcismo dos satânicos
malefícios do Estado ou para a mera cura através do seu emagrecimento.
Ainda assim,
lá vai surgindo uma ou outra voz contra a corrente, como é o caso do artigo «Acabar o
Euro» assinado por Marco Capitão Ferreira no ECONÓMICO, onde o autor repesca um artigo
de opinião de Mark Blyth (o consagrado autor de “Austeridade – uma ideia
perigosa”) e Eric Lonergan (gestor dum “hedge
fund”), publicado na reputada FOREIGN
AFFAIRS (ver «Print Less but Transfer
More - Why Central Banks Should Give
Money Directly to the People»), que começa por questionar o modelo de
financiamento através do sistema bancário e acaba por concluir que um modelo de
financiamento directo a empresas e famílias, numa conjuntura onde coexiste uma
capacidade de produção longe de esgotada e uma procura reduzida, não gerará
inflação e ainda apresenta a vantagem de não contribuir para a formação de
bolhas especulativas induzidas pelo próprio sistema financeiro.
Enquanto Blyth e Lonergan denunciam a evidente incapacidade
dum sistema financeiro, assoberbado pela necessidade de financiar as
estratégias especulativas que pratica, para assegurar a função de financiamento
à economia e apelam a uma intervenção directa dos bancos centrais na economia,
Marco Capitão Ferreira transpõe aquele raciocínio para a Zona Euro e deixa no
ar a questão da continuidade da moeda única sem reajustamentos nas suas regras
originais quando afirma que «(s)e não acabarmos de construir o
euro acabamos com o euro, e por essa via, fazemos perigar o projecto europeu
nascido nos escombros da II Guerra Mundial», mas queda-se sem adiantar o
que faltará fazer.
É aqui, com
redobrada razão, que agora urge levar a discussão da reformulação do Euro a um
patamar diferente do habitual e além de questionar o modelo de governação do
BCE (organismo sem o indispensável controlo democrático) ou algumas das regras
que espartilham uma efectiva intervenção da economia da Zona Euro, avançar sem
receio no sentido de retirar o monopólio do financiamento da dívida pública ao
sistema financeiro, permitindo que as necessidades de cada Estado sejam
directamente financiadas pelo BCE (no mínimo até ao limite dos 60% do PIB) e a
um custo inferior ao dos bancos, em lugar de insistir em soluções gizadas em
exclusivo benefício do sistema financeiro. Assim o recente anúncio de que «Super
Mario surpreende o mercado e corta taxa de juro para novo mínimo histórico de
0,05%» ou de que «BCE põe em marcha a compra de activos para estimular
a economia», constituem uma repetição infrutífera das panaceias já
ensaiadas. Continuando por realizar uma avaliação rigorosa e imparcial dos
activos tóxicos (derivados e demais produtos estruturados) nas carteiras dos
bancos, as necessidades de capital dum sistema financeiro exaurido pelas
crescentes imparidades (quer as que
resultam das estratégias especulativas quer as que derivam do aumento do
incumprimento) são de tal monta que estes absorverão a
quase totalidade dos “estímulos” que o BCE destina ao relançamento da economia,
facto que reforça a credibilidade duma solução que leve os bancos centrais a
repor liquidez na economia através dos orçamentos públicos e das indispensáveis
políticas públicas orientadas para o desenvolvimento e crescimento económico,
únicas capazes de inverter uma conjuntura onde a «Zona euro estagna com investimento
privado em queda» e de combater as elevadas taxas de desemprego.
Quando até já se reconhece que tem andado o «BCE sempre um passo atrás, em relação aos outros
bancos centrais» e que os novos programas de compra de activos se
resumem a uma situação onde «Draghi testa novas armas para evitar
comprar dívida soberana», com os quais espera evitar as críticas
alemãs, começa a trilhar-se um caminho (é certo que tortuoso) que apenas pode
culminar no abandono definitivo das teses que reduziram o papel do BCE ao de
controlador da inflação e abrir espaço para a redefinição das suas funções
enquanto Banco Central do Euro.
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