Enquanto a
situação na Ucrânia continua a encher páginas e páginas de informação e os
dirigentes políticos, dum lado e do outro, continuam a alimentar todo o tipo de
anseios, fazendo crescer cada vez mais uma pressão que num ápice pode degenerar
em conflito aberto, clima agravado ainda pelas declarações dos responsáveis da
NATO que acusam os russos de concentrar tropas na fronteira ucraniana quando
executam precisamente a mesma manobra, outros assuntos bem mais importantes
para o futuro da UE permanecem na sombra.
Não refiro
apenas a evidente questão da impreparação da UE para continuar na senda do
alargamento, a contento geral, nem ao não menos candente problema do adiamento
das reformas que a crise impunha que já estivessem a ser implementadas, antes o
que os poderes estabelecidos dos dois lados do Atlântico parecem obstinados em
concretizar longe do escrutínio dos povos que dirigem.
Numa palavra,
o muito que se comenta e especula sobre a Ucrânia e o novo perigo russo serve
para esconder dos olhos da opinião pública que está em vias de concretização um
acordo atlântico de dimensão e efeitos indevidamente esclarecidos. O TTIP (Transatlantic Trade and Investment
Partnership) é uma proposta de acordo de comércio livre entre a UE e
os EUA, que os promotores estimam que
irá impulsionar a economia da UE em 120 biliões de euros, a economia dos EUA em
90 biliões e o resto do mundo em 100 biliões. As negociações começaram em Julho
de 2013 e vão já na terceira ronda, prevendo-se que o porcesso possa ser concluído
até o final de 2014.
Aos números anunciados pelos promotores contrapõem outros analistas resultados
bem menos entusiasmantes, como é o caso do estudo
recentemente apresentado pela Fundação
Austríaca para Investigação do Desenvolvimento (OFSE na sigla alemã)
que antevê que o acordo terá custos sociais elevados e poucos ganhos em termos
de salários reais, empregos e PIB, antecipando mesmo uma redução no comércio entre
os países membros da União Europeia em cerca de 30%, em resultado do aumento da
concorrência das importações baratas dos EUA.
Além destas críticas
fundadas na projecção de dados estatísticos outras apontam para o facto do TTIP
representar o culminar do liberalismo corporativo, traduzido na prática no
culminar do processo de sobreposição dos interesses das grandes multinacionias
sobre o interesse público; entre estes destaque para o jornalista, ensaísta e
activista britânico, George Monbiot, que num recente artigo
no jornal THE GUARDIAN afirmava:
«Este acordo de comércio tem pouco a ver com
a redução de tarifas. Como diz o negociador–chefe da UE, cerca de 80% envolve a
“discussão sobre regulamentos que protejem os cidadãos de riscos para a saúde,
a segurança, o meio ambiente e a segurança de dados e das transacções
financeiras”, mas discussão sobre os regulamentos significa alinhar as regras
europeias pelas americanas.»
Outra questão
igualmente polémica e não menos importante prende-se com a inclusão no acordo
duma cláusula, designada
de “acordo judicial de disputa Estado-investidor”, que possibilita às multinacionias
processarem judicialmente, em tribunais especiais, governos cuja orientação
política ou leis domésticas entre em conflito com os interesses das grandes companhias.
Dito isto, o chamado problema ucraniano, por mais importante que se
possa considerar o perigo russo, afigura-se uma brincadeira...
...ao invés do
que devia estar a ser abordado e divulgado como o verdadeiro problema europeu:
o TTIP.
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