sábado, 19 de abril de 2014

O PROBLEMA EUROPEU

Enquanto a situação na Ucrânia continua a encher páginas e páginas de informação e os dirigentes políticos, dum lado e do outro, continuam a alimentar todo o tipo de anseios, fazendo crescer cada vez mais uma pressão que num ápice pode degenerar em conflito aberto, clima agravado ainda pelas declarações dos responsáveis da NATO que acusam os russos de concentrar tropas na fronteira ucraniana quando executam precisamente a mesma manobra, outros assuntos bem mais importantes para o futuro da UE permanecem na sombra.

Não refiro apenas a evidente questão da impreparação da UE para continuar na senda do alargamento, a contento geral, nem ao não menos candente problema do adiamento das reformas que a crise impunha que já estivessem a ser implementadas, antes o que os poderes estabelecidos dos dois lados do Atlântico parecem obstinados em concretizar longe do escrutínio dos povos que dirigem.

Numa palavra, o muito que se comenta e especula sobre a Ucrânia e o novo perigo russo serve para esconder dos olhos da opinião pública que está em vias de concretização um acordo atlântico de dimensão e efeitos indevidamente esclarecidos. O TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) é uma proposta de acordo de comércio livre entre a UE e os EUA, que os promotores estimam que irá impulsionar a economia da UE em 120 biliões de euros, a economia dos EUA em 90 biliões e o resto do mundo em 100 biliões. As negociações começaram em Julho de 2013 e vão já na terceira ronda, prevendo-se que o porcesso possa ser concluído até o final de 2014.

Aos números anunciados pelos promotores contrapõem outros analistas resultados bem menos entusiasmantes, como é o caso do estudo recentemente apresentado pela  Fundação Austríaca para Investigação do Desenvolvimento (OFSE na sigla alemã) que antevê que o acordo terá custos sociais elevados e poucos ganhos em termos de salários reais, empregos e PIB, antecipando mesmo uma redução no comércio entre os países membros da União Europeia em cerca de 30%, em resultado do aumento da concorrência das importações baratas dos EUA.

Além destas críticas fundadas na projecção de dados estatísticos outras apontam para o facto do TTIP representar o culminar do liberalismo corporativo, traduzido na prática no culminar do processo de sobreposição dos interesses das grandes multinacionias sobre o interesse público; entre estes destaque para o jornalista, ensaísta e activista britânico, George Monbiot, que num recente artigo no jornal THE GUARDIAN afirmava:

«Este acordo de comércio tem pouco a ver com a redução de tarifas. Como diz o negociador–chefe da UE, cerca de 80% envolve a “discussão sobre regulamentos que protejem os cidadãos de riscos para a saúde, a segurança, o meio ambiente e a segurança de dados e das transacções financeiras”, mas discussão sobre os regulamentos significa alinhar as regras europeias pelas americanas.»

Outra questão igualmente polémica e não menos importante prende-se com a inclusão no acordo duma cláusula, designada de “acordo judicial de disputa Estado-investidor”, que possibilita às multinacionias processarem judicialmente, em tribunais especiais, governos cuja orientação política ou leis domésticas entre em conflito com os interesses das grandes companhias.

Dito isto, o chamado problema ucraniano, por mais importante que se possa considerar o perigo russo, afigura-se uma brincadeira...


...ao invés do que devia estar a ser abordado e divulgado como o verdadeiro problema europeu: o TTIP.

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