Não foi apenas a extensão do texto que me levou a dividir a sua
publicação. Também a possibilidade de abordar a “ligação saudita” à actual
crise síria, na data em que se assinala mais um aniversário do 11 de Setembro
de 2001, atentado que ao cabo de doze anos continua sem esclarecimento cabal,
quando na imprensa ocidental abunda a imagem duma crise que opõe o “ocidente”
ao regime sírio e aos seus principais apoiantes (Irão e Rússia) esquecendo
precisamente o envolvimento da Al-Qaeda, da Arábia Saudita e doutros actores
regionais parecia boa demais para ser enjeitada.
Como muito bem lembrou Leonídio Paulo Ferreira em A guerra de Obama devia ser acabar com a
Al-Qaeda», desde
o 11 de Setembro de 2001 que esta organização não era tão falada, agora que até
as ligações entre o regime saudita (aliado árabe privilegiado dos EUA,
recorde-se) e o grupo Al-Nusra (facção síria da Al-Qaeda) se revelam cada vez
mais evidentes.
Veja-se o
que a esse propósito escreveram Dale Gavlak e Yahya Ababneh no já referido artigo
«Sírios
de Ghouta afirmam que na origem do ataque químico está o armamento fornecido
pelos sauditas», onde depois de transcreverem algumas declarações de
moradores no bairro de Ghouta (o bairro da capital síria onde foram usadas
armas químicas), se debruçam sobre a “ligação saudita”, nos seguintes termos:
«Mais de uma dúzia de rebeldes entrevistados
disseram que os seus salários são suportados pelo governo saudita.
Envolvimento
saudita
Num recente artigo para a Business Insider, o
repórter Geoffrey Ingersoll revelou
o papel do príncipe Bandar nos dois anos e meio que dura a Guerra civil síria.
Muitos observadores crêem que Bandar (e os seus estreitos laços com Washington)
têm estado no cerne da pressão duma guerra dos EUA contra Assad.
Ingersoll referiu-se a um artigo no Daily
Telegraph sobre conversações
secretas russo-sauditas onde alegadamente Bandar terá oferecido ao
presidente russo, Vladimir Putin, petróleo barato em troca do fim do apoio a
Assad.
Ingersoll escreveu mesmo que o “príncipe
Bandar prometeu garantir a base naval russa na Síria se o regime de Assad fosse
derrubado, mas também que poderiam ocorrer ataques chechenos em Sochi, durante
os Jogos Olímpicos de Inverno organizados pelos russos, na ausência de acordo”
e que terá dito aos russos que “eu posso assegurar a protecção dos Jogos de
Inverno no próximo ano. Os grupos chechenos que ameaçam a segurança dos jogos
são controlados por nós.”
“A par com o governo saudita, os EUA deram o
acordo ao chefe dos services secretos sauditas para a realização daquelas
negociações com os russos, o que não constitui surpresa”, escreveu Ingersoll,
acrescentando que “Bandar é de formação, militar e académica, americana, foi um
influente embaixador saudita nos EUA e a CIA gosta muito dele.”
Segundo o jornal britânico Independent, foram
os serviços secretos do príncipe Bandar que em Fevereiro fizeram
soar as primeiras alegações sobre o uso de gás sarin pelo regime de Assad, aos aliados ocidentais.
Recentemente o The Wall Street Journal
anunciou que a
CIA via a Arábia Saudita seriamente empenhada no derrube de Assad, quando o cheque saudita nomeou o príncipe Bandar
para dirigir os esforços, acrescentando que “eles acreditam que o príncipe
Bandar, um veterano da intriga diplomática em Washington e no mundo Árabe,
poderia fornecer o que a CIA não podia: aviões carregados de dinheiro e armas,
e, como disse um diplomata americano, wasta, suborno em arábico.”
Bandar tem anunciado o principal objectivo da
política externa saudita, escreveu o WSJ, derrotar Assad e os seus aliados do
Irão e do Hezbollah. Para isso Bandar convenceu Washington a apoiar um programa
de treino e armamento dos rebeldes a partir duma base militar na Jordânia.
O jornal escreve que ele reuniu com “jordanos
preocupados sobre semelhante base”:
As reuniões em Amman com o rei jordano,
Abdullah, chegavam a durar oito horas de cada vez. Fonte familiarizada com as
reuniões disse que “o rei brincava: “Ah, Bandar está de volta? Vamos arranjar
dois dias para a reunião.”
A dependência financeira da Jordânia explica o
poder da Arábia Saudita e um centro de operações jordano ficou operacional no
Verão de 2012 incluindo, segundo fontes oficiais árabes citadas pelo WSJ, uma
pista de aviação e paióis de armamento, principalmente AK-47 e munições.
Embora as fontes sauditas garantam que
suportam principalmente os grupos rebeldes moderados, o jornal escreve que
“fundos e armas estão a ser canalizados para os radicais, com o objectivo de
conter a influência dos rivais islamitas apoiados pelo Qatar” mas os rebeldes
entrevistados disseram que o príncipe Bandar é conhecido como “al-Habib” ou “o
amante” pelos combatentes da Al-Qaeda na Síria.
Peter Oborne, escrevendo
no Daily Telegraph, deixou um aviso sobre a precipitação de Washington em
punir o regime de Assad com o chamados “ataques limitados” não direccionados
para o derrube do líder sírio mas apenas para diminuir a sua capacidade de uso
de armas químicas, considerando que os principais beneficiários da atrocidade
foram os rebeldes que em risco de perder a guerra contam agora com a
intervenção favorável de americanos e ingleses. Enquanto parece haver poucas
dúvidas sobre o uso de armas químicas, o mesmo não se pode dizer sobre quem as
usou.
É importante lembrar que Assad já
anteriormente foi acusado do uso de gás venenoso contra civis, mas na ocasião
uma representante da ONU na Síria, Carla del Ponte, concluiu que era maior a
probabilidade da responsabilidade ter sido dos rebeldes que de Assad.»
Embora a página Mint Press News
informe cautelosamente que alguma da informação do artigo não pôde ser
confirmada por fontes independentes, nem por isso a revelação do papel do
regime saudita (uma oligarquia tão pouco democrática quanto a alauita que
dirige a Síria) deixa de ser importante, remetendo mesmo para o seu papel no
financiamento da Al-Qaeda e recordando que na origem daquela rede terrorista de
enraizada conotação sunita estiveram os interesses ocidentais anti-soviéticos e
os radicais wahhabitas (seita sunita radical originária da Arábia Saudita)
alicerçados na vasta disponibilidade de petrodólares sauditas.
Embora muito
se discuta a influência de cada uma das correntes sunitas no seio da Al-Qaeda,
é inegável que a base da formação do saudita que mais tarde personificaria a
organização, Osama Bin Laden, foi o wahhabismo e que embora oficialmente
rejeitado esta corrente salafita foi hegemónica na Arábia Saudita, tendo
constituído forte aliada da dinastia Al-Saud desde a formação do reino, e
beneficiária de grandes financiamentos.
A denúncia das
actividades dos serviços secretos sauditas, dirigidos por Bandar bin Sultan
(graduado pela RAF inglesa, pela norte-americana John Hopkins University e ex-embaixador
saudita em Washington), obviamente não confirmada, encaixa perfeitamente no
jogo político-diplomático característico da região e dos interesses ocidentais.
Agora, como durante a Guerra do Afeganistão, o apoio norte-americano à Frente
Al-Nusri (integrante da oposição síria ao regime de Al-Assad e membro
reconhecido da Al-Qaeda) não seria visto com bons olhos (como então não seria o
apoio a Bin Laden), pelo que o recurso aos serviços (e aos fundos) dos amigos
sauditas constitui uma boa e prática solução, tanto mais que são amplamente
conhecidas as divergências com o governo pró-xiita de Damasco e tudo serve de
argumento para manter a efervescência dum caldeirão onde se pretende preservar
a todo o custo a integridade daquele que continua a assegurar o papel de
principal bastião dos interesses ocidentais – Israel – e se juntam os interesses
turcos e qataris.
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