sábado, 28 de setembro de 2013

WESTGATE


O assalto ao centro comercial Westgate em Nairobi, levado a cabo pelo Al-Shabaab (um grupo extremista somali, com ligações à Al-Qaeda, fundado na sequência da constituição do Governo Federal de Transição, apoiado pelo Ocidente e pelos governos vizinhos da Etiópia e do Quénia) ocorreu há precisamente uma semana. Desde então as estatísticas do número de vítimas continuam a desfilar pelos grandes meios de comunicação, a par com as imagens de destruição e de terror dos clientes e trabalhadores que lograram escapar, mas além da notícia de que as forças da ordem retomaram o controlo do edifício pouco mais tem sido objecto de análise ou comentário.

Falou-se que nos dias que durou o cerco as forças quenianas contaram com o apoio de tropas de elite israelitas (facto tanto menos estranho quanto é conhecida a participação de capitais judaicos no Westgate mas que não impediu que a incerteza se arrastasse durante quatro longos dias) para no epílogo ser notícia que os «Islamitas acusam Governo do Quénia de usar gases químicos para libertar reféns» e de ter provocado a derrocada parcial das instalações para encobrir as baixas provocadas pela sua intervenção (ver a notícia do PUBLICO: «Islamistas da Al-Shabab responsabilizam Governo queniano pela morte de 137 reféns»).


Seja qual for a contagem final de baixas (os números oficiais falam em cerca de 70 mortos e quase outros tantos desaparecidos) muitas outras dúvidas permanecem sem resposta convincente.


Mesmo admitindo que o ataque do comando Al-Shabaab se insere numa estratégia de resposta à interferência queniana nas questões somalis, não se podem esquecer outros factores como o facto das instalações atacadas representarem uma quintessência dos valores ocidentais – o centro comercial Westgate além de propriedade de capitais ocidentais constituía uma “ilha” dum modelo de consumo reservado aos estrangeiros e à elite queniana, sendo descrito por muitos locais como um local luxuoso –, do Quénia já ter sido alvo de anteriores atentados por grupos extremistas islâmicos – em 1998 a embaixada norte-americano foi alvo dum ataque por membros da Jihad Islâmica do qual resultaram mais de duzentos mortos – e de se encontrar inserido na muito conturbada região do Corno de África.


Embora nada justifique a violência a que temos vindo a assistir, o certo é que as acções dos grupos extremistas parecem escapar cada vez mais ao “cliché” das ideias pré-concebidas e maniqueístas que separam cristãos e muçulmanos e que no caso do ataque ao Westgate chegou às notícias com a informação de que alguns dos assaltantes seriam de origem ocidental (ingleses e americanos). A participação duma inglesa, viúva dum dos responsáveis pelo ataque ao metro de Londres em 2005, é confirmada pela notícia do EXPRESSO de que andará a «Interpol à procura da Viúva Branca» e dá azo à reabertura do debate em torno das motivações políticas, religiosas ou até meramente pessoais que sustentam actos daquela natureza, para mais quando as regiões onde prolifera o recrutamento de novos membros não primam por oferecer oportunidades de vida aos mais jovens e influenciáveis.

É claro que o fenómeno do terrorismo não terminará do dia para a noite, nem se justificará apenas pela proliferação duma sociedade cada vez mais desumanizada e desapiedada, mas ninguém duvide que a ausência de perspectivas e de oportunidades para um futuro digno para todos, pode e deve ser apontada entre as principais causas para o processo de radicalização dos mais jovens e que um primeiro e importante passo para a solução passa pela implementação de políticas de promoção de emprego e de redistribuição mais equitativa dos rendimentos. Enquanto tal não for entendido pelas elites governantes, quer no Ocidente quer no Oriente, corremos o sério risco de continuarmos a assistir a actos desesperados e/ou fanáticos como o que agora ocorreu no Quénia.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

ELEIÇÕES E CANDIDATOS

A aproximação da data das eleições autárquicas e a informação que «Passos critica campanha “sui generis” e quer alterar lei eleitoral», ou mais especificamente que «Passos quer alterar lei para permitir cobertura das televisões à campanha», justifica alguma reflexão sobre o próximo acto eleitoral.

Depois da polémica criada em torno da lei da limitação de mandatos – resolvida com um acórdão onde o «Tribunal Constitucional defende que vontade da lei de limitação de mandatos não é clara» pelo que o mesmo  «Tribunal Constitucional dá luz verde aos candidatos autárquicos com três mandatos» desde que concorram a outra autarquia, devolvendo a sua clarificação para uma Assembleia da República que nada fizera nesse sentido – e do aviso da Comissão Nacional de Eleições para a necessidade da observância do princípio da igualdade de tratamento informativo de todas as candidaturas que levou as televisões nacionais a optarem por reduzir ao mínimo a cobertura informativa da campanha, eis que durante uma acção de apoio ao candidato à Câmara de Sintra, Passos Coelho, na dúbia qualidade de presidente do PSD ou de primeiro-ministro, abriu nova polémica disparando contra a reduzida cobertura televisiva, como se o seu partido fosse um dos mais prejudicados e, salvo o facto das televisões se encontrarem presentes por ali estar o primeiro-ministro e o vice primeiro-ministro, aquele fosse o local e o momento oportuno.

É claro que o reprovável facto de se concentrarem na mesma pessoa as funções de chefe do Governo e dum partido político proporciona uma promiscuidade discursiva a que os políticos não conseguem resistir mas que o eleitorado deveria condenar, especialmente por se tratar de eleições autárquicas, situação em que o protagonismo deveria estar focado nos candidatos locais e onde a sua escolha deveria ser preferencialmente ditada pelo perfil e currículo dos candidatos em detrimento da sua filiação partidária.

Por isso mesmo o afastamento das televisões da campanha eleitoral deveria ter servido de incentivo para a realização de campanhas de esclarecimento de maior proximidade, vantajosas aos candidatos de maior receptividade local, mas que a prática da presença sancionatória de políticos de projecção nacional ofuscou. Salvam-se deste raciocínio as candidaturas independentes que, infelizmente, estão enxameadas de independentes de última hora, ou seja daqueles que por razões várias ou foram rejeitados pelas estruturas partidárias ou com estas se incompatibilizaram.

Transposto para um universo menos cosmopolita, as escolhas que agora se pedem aos eleitores dos quatro cantos do país deveria ser sobre quem orientará o seu quotidiano mais próximo, avaliado pela manutenção das redes viárias e de saneamento e pela gestão serviços de proximidade; porém, o centralismo político partidário, as limitações impostas pelo poder central e, queira-se ou não, a conjuntura depressiva deverão acabar por se sobrepor e muita gente não votará em quem avalia como o melhor candidato local mas em sinal de apoio ou de condenação da coligação no governo. Neste contexto, não fosse o cinismo próprio de quem durante uma acção de campanha em Lisboa produz uma afirmação orientada para apelar ao voto num candidato apoiado por uma coligação que já terá registado maior popularidade e à qual não interessa qualquer alusão à situação geral do país, deveria saudar-se o anúncio de que «Manuela Ferreira Leite separa águas entre eleições locais e nacionais», contribuindo para a distinção entre dinâmicas e estratégias nacionais e locais.



Assim, no início da próxima semana pulularão os comentários aos resultados que, como sempre, esquecerão o essencial da situação: o modelo de contagem dos votos que premeia o conformismo uma vez que não contabilizando os votos em branco como votos válidos facilita todo o processo de escolha não penalizando sequer a falta de capacidade mobilizadora dos candidatos.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A SITUAÇÃO NA EUROPA


A questão do resultado das eleições alemãs nunca me mereceu particular atenção; à semelhança da situação nacional, onde dois partidos (PS e PSD) dividem as hipóteses de vitória, sempre considerei o resultado daquelas eleições – vitória dos conservadores da CDU ou dos sociais-democratas do SPD – irrelevante para o desenvolvimento da situação europeia, pois qualquer que fosse o vencedor pouco ou nada alteraria a situação da UE em geral e dos países do sul europeu em particular.


Com a CDU, o SPD ou os dois em coligação, a situação da Zona Euro continuará a ser a dum gigante económico dirigido à vista e, pior, sujeito a um pragmatismo de vincada matriz ideológica, pouco ou nada adaptável a mudanças, que no caso alemão podem surgir bem mais depressa do que o esperado, agora que é cada vez mais evidente o abrandamento das economias emergentes que representam 18,5% das exportações alemães.

Outra coisa não se pode pensar depois do anúncio que a «Holanda diz adeus ao Estado social e entra no século XXI», tanto mais quanto a opção foi tomada pelo novo governo dito de centro-esquerda e quando é conhecido o facto de, numa sondagem recente, 80% dos holandeses se terem declarado contrários à ideia.

Que a realidade dos países do sul da Zona Euro desminta à evidência as virtualidades dum modelo gizado para servir os interesses duma minoria endinheirada e não, como anunciam, para resolver os desequilíbrios estruturais das respectivas economias é questão de pouca monta para as elites políticas completamente enfeudadas a interesses estranhos aos seus próprios eleitores, tanto mais que a generalidade dos meios de comunicação participa alegremente no processo de desinformação colectiva.

Não há hoje, por esse mundo fora, país que se preze que não disponha nos principais canais de televisão de “prestigiados” comentadores (preferentemente ex-dirigentes políticos) que regularmente se encarregam de repetir os mantras dos malefícios da dívida pública (omitindo que o verdadeiro problema está no somatório daquela com as dívidas privadas da banca, empresas e famílias) e da inexistência de alternativas à subordinação aos interesses do capital financeiro, ludibriando as audiências com jogos de manipulação onde misturam meias verdades com mentiras descaradas.

A realidade cada vez mais perceptível para os cidadãos europeus é que já se ultrapassaram os limites da decência e do decoro; depois da UE ter relegado o seu próprio parlamento ao papel de figurante, passando a ser dirigida por uma cúpula não eleita, rapidamente se passou à situação de ver os estados dirigidos por títeres que à revelia dos seus eleitores se desdizem sem o mínimo rebuço enquanto aplicam as políticas mais favoráveis aos seus mentores.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

MAIS UM DESCUIDO


Tantas têm sido as trapalhadas e os “casos” com cheiro a esturro que regularmente vêem a lume, e nem sequer estou a estabelecer o paralelismo pela parceria com Paulo Portas, que cada vez mais o governo liderado por Passos Coelho se assemelha aos tempos em que Santana Lopes passou por São Bento.


Depois do recuo na proposta da alteração da TSU e da tardia saída de Miguel Relvas, depois da demissão irrevogável de Paulo Portas se ter transformado na sua promoção a vice-primeiro-ministro e da saída de Vítor Gaspar ter sido colmatada com a promoção da secretária de estado que esteve no cerne do imbróglio da informação sobre os contratos de “swap”, não sem que antes tenham sido demitidos alguns membros do governo por em tempos terem subscritos alguns daqueles “swaps”, seria de esperar que os intervenientes revelassem alguma sensatez e tacto político que minimizasse a repetição daquele tipo de episódios.

A realidade, porém, revela-se bem diversa. Fosse outra a natureza de quem nos governa e talvez não estivéssemos a assistir a uma reedição da “estória” em torno da informação sobre os contratos de “swap”, com a agora ministra das Finanças de novo no centro duma teia de meias verdades e de mentiras despudoradas, depois do ex-administrador da Estradas de Portugal, Almerindo Marques, ter afirmado que aquela, enquanto técnica do IGCP, aprovara a contratação de “swaps” especulativos.

Ao veemente desmentido do ministério das Finanças («Finanças desmentem Almerindo Marques sobre papel de Albuquerque no IGCP») respondeu o DN dizendo que «Relatório do Tesouro indica que ministra aceitou 'swap'», comprometendo novamente (um resumo deste historial pode ser lido na notícia do PUBLICO: «A ministra e os swaps: polémicas, omissões e acusações») a credibilidade de Maria Luís Albuquerque, questão é tanto mais grave – e como tal deve ser encarada – quanto envolve particularmente o primeiro-ministro.

Diga-se em abono da verdade que o que poderia ser classificado como mais um descuido (novamente a ministra usa meias verdades para esconder algumas meias mentiras) deve-se não apenas ao perfil de Maria Luís Albuquerque mas ao que pode ser estendido a uma plêiade de arrivistas, nas palavras que utilizou Alberto Pinto Nogueira no artigo «A Geração Rasca e os Velhos», «…produto da geração adulta e velha de hoje: os facilitismos oferecidos, o fomento negligente de irresponsabilidades, as passagens administrativas, o paternalismo. A cedência à ausência de valores. Uma geração hoje “velha” que prescindiu de transmitir à geração, ontem, jovem os princípios da liberdade responsável».

Embora um pouco mais novo que Alberto Pinto Nogueira, nem por isso deixo de partilhar a responsabilidade de que fala e da qual resultou estarmos há alguns anos a ser governados por um grupo de gente onde a «…ausência de ética, de moral, de princípios gera, consequentemente, comportamentos políticos da mesma natureza: sem moral e sem ética [que] pratica a mentira, a manipulação, o golpe, as jogadas de interesses» e, acrescento eu, de quem não podemos esperar outras soluções que não o miserabilismo servil dos tolos.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

CRISE SEM CULPADOS



Cumpridos cinco anos sobre a falência do Lehmans Brothers e a confirmação de que a crise financeira iniciada pelo rebentamento da bolha do “subprime” estava para durar, ainda não terminaram as ondas de choque nem se vislumbra que algo de semelhante não se possa repetir.

Anunciada numa reunião imediata do G20, continua por implementar uma regulamentação mais rigorosa que ponha cobro ao absoluto desmando que a crise revelou, que volte a consagrar a separação entre bancos comerciais e bancos de investimento, que, numa palavra, recupere os valores de confiança e ética num sector de actividade que nunca deveria ter sobrevivido a expensas (a mais recente estimativa da Reserva Federal norte-americana aponta para um custo entre os 6 e os 14 biliões de dólares) do sacrifício dos contribuintes.



A recuperação daqueles valores não se deverá resumir à separação de actividades que garantam maior segurança aos depositantes, antes alargada ao conjunto da actividade e em especial aos sectores mais permissivos a tentações especulativas.

A conclusão, é que o pouco que na actualidade mudou no sistema financeiro não passou de mera cosmética e em reacção à retórica política mais inflamada, não admirando, por isso, que alguma imprensa conclua que os «Mercados seguem desregulados 5 anos após falência do Lehman Brothers» ou que «O mundo ainda não fez tudo para evitar que se repita o drama do Lehman Brothers».

Mais correcto seria realmente reconhecer que enquanto se garantir ao sector financeiro a permanente disponibilidade de fundos públicos para recapitalizações necessárias pelos prejuízos resultantes da especulação, que continua a ser incentivada e premiada pela atribuição de chorudos bónus aos intervenientes.


Para além da triste realidade de continuarmos a assistir aos privilégios dos banqueiros e de sabermos a «Crise de 2008 sem culpados em Wall Street», seria bem mais tranquilizante não assistirmos à regular repetição de episódios como o “London whale” (ver esta notícia do NEGÓCIOS), indiciadores de que tudo continua como antes,  nem ao completo fracasso de iniciativas para a limitação dos bónus financeiros (prática grandemente responsável pela corrida desenfreada aos ganhos de curto prazo proporcionado pela especulação), como a registada quando a «União Europeia quer limitar os bónus na banca ao valor de um salário» mas de pronto os «britânicos contestam limites a bónus».

Tudo isto quando a generalidade da banca mundial vive quase duma caridade pública (os famigerados resgates sustentados num duvidoso conceito de risco sistémico, como sucedeu em Portugal com o BPN e o BPP) que é grande responsável pelo aumento do endividamento público e pelas políticas de austeridade, apresentadas pelos políticos como indispensáveis, para agradar aos credores que são afinal os mesmos bancos ou os seus proprietários.

sábado, 14 de setembro de 2013

TROC… TROC… TRAPALHADAS!



Ouvida a afirmação da ministra das Finanças de que o peso da dívida pública no PIB é menor, não de 131%, como assegura o Banco de Portugal, mas de apenas 118, duas questões deveriam ter sido suscitadas de imediato.


Primeiro; ou os técnicos do Banco de Portugal erraram clamorosamente – e se lembrarmos os reputadíssimos Reinhart e Rogoff (ver o “post” «ACONTECE…», ou nosso bem conhecido Vítor Gaspar, nem sequer seria inédito ou impensável – ou quem está errada é a ministra. Duma forma ou de outra estamos a falar de técnicos especialistas na matéria e dum simples algoritmo de cálculo que passa por dividir o valor da dívida pelo PIB, informação estatística de divulgação comum e normalmente aceite como fiável, pelo que uma diferença de 13 pontos percentuais é impossível de aceitar.



Segundo; se a justificação para a divergência é a adiantada pela ministra, quando afirmou que «A diferença é o dinheiro que temos, que é nosso e que usaremos para fazer face aos nossos compromissos e isso reflectir-se-á no rácio da dívida», então estaremos perante um caso grave de incompetência técnica (que talvez justificasse uma reacção idêntica à que em tempos teve António Borges, concluindo-se que a ministra não passaria no primeiro ano do seu curso de economia) pois o que Maria Luís Albuquerque afirmou é que o saldo não utilizado dos empréstimos não representa um encargo, como se o mesmo não estivesse onerado pelos juros nem sujeito a reembolso (lembram-se o que disseram alguns correlegionários da ministra quando Sócrates alvitrou que a dívida pública não era para se pagar?).



Aqui voltamos ao registo de trapalhada, meias-verdades e mentiras a que os membros do governo de Passos Coelho em geral, e esta senhora em especial, já nos habituaram. Não tardará que, para justificar uma qualquer situação de aumentos de impostos ou de reduções de benefícios sociais, a mesma senhora venha dizer que a responsabilidade é do elevado peso da dívida (os tais 131% que agora dá jeito afirmar categoricamente serem apenas 118%).



É verdade que há muito tempo que as declarações de quem nos governa deveriam ter deixado de merecer espanto, mas não consigo permanecer em silêncio perante tanta manipulação e mentira, especialmente quando aqueles que deveriam ser responsáveis pela difusão da informação, e pela sua apreciação crítica, optam por um silêncio cúmplice.




quarta-feira, 11 de setembro de 2013

PRONTO PARA SALTAR - II


Não foi apenas a extensão do texto que me levou a dividir a sua publicação. Também a possibilidade de abordar a “ligação saudita” à actual crise síria, na data em que se assinala mais um aniversário do 11 de Setembro de 2001, atentado que ao cabo de doze anos continua sem esclarecimento cabal, quando na imprensa ocidental abunda a imagem duma crise que opõe o “ocidente” ao regime sírio e aos seus principais apoiantes (Irão e Rússia) esquecendo precisamente o envolvimento da Al-Qaeda, da Arábia Saudita e doutros actores regionais parecia boa demais para ser enjeitada.



Como muito bem lembrou Leonídio Paulo Ferreira em A guerra de Obama devia ser acabar com a Al-Qaeda», desde o 11 de Setembro de 2001 que esta organização não era tão falada, agora que até as ligações entre o regime saudita (aliado árabe privilegiado dos EUA, recorde-se) e o grupo Al-Nusra (facção síria da Al-Qaeda) se revelam cada vez mais evidentes.

Veja-se o que a esse propósito escreveram Dale Gavlak e Yahya Ababneh no já referido artigo «Sírios de Ghouta afirmam que na origem do ataque químico está o armamento fornecido pelos sauditas», onde depois de transcreverem algumas declarações de moradores no bairro de Ghouta (o bairro da capital síria onde foram usadas armas químicas), se debruçam sobre a “ligação saudita”, nos seguintes termos:


«Mais de uma dúzia de rebeldes entrevistados disseram que os seus salários são suportados pelo governo saudita.

Envolvimento saudita

Num recente artigo para a Business Insider, o repórter Geoffrey Ingersoll revelou o papel do príncipe Bandar nos dois anos e meio que dura a Guerra civil síria. Muitos observadores crêem que Bandar (e os seus estreitos laços com Washington) têm estado no cerne da pressão duma guerra dos EUA contra Assad.

Ingersoll referiu-se a um artigo no Daily Telegraph sobre conversações secretas russo-sauditas onde alegadamente Bandar terá oferecido ao presidente russo, Vladimir Putin, petróleo barato em troca do fim do apoio a Assad.

Ingersoll escreveu mesmo que o “príncipe Bandar prometeu garantir a base naval russa na Síria se o regime de Assad fosse derrubado, mas também que poderiam ocorrer ataques chechenos em Sochi, durante os Jogos Olímpicos de Inverno organizados pelos russos, na ausência de acordo” e que terá dito aos russos que “eu posso assegurar a protecção dos Jogos de Inverno no próximo ano. Os grupos chechenos que ameaçam a segurança dos jogos são controlados por nós.”

“A par com o governo saudita, os EUA deram o acordo ao chefe dos services secretos sauditas para a realização daquelas negociações com os russos, o que não constitui surpresa”, escreveu Ingersoll, acrescentando que “Bandar é de formação, militar e académica, americana, foi um influente embaixador saudita nos EUA e a CIA gosta muito dele.”

Segundo o jornal britânico Independent, foram os serviços secretos do príncipe Bandar que em Fevereiro fizeram soar as primeiras alegações sobre o uso de gás sarin pelo regime de Assad, aos aliados ocidentais.

Recentemente o The Wall Street Journal anunciou que a CIA via a Arábia Saudita seriamente empenhada no derrube de Assad, quando o cheque saudita nomeou o príncipe Bandar para dirigir os esforços, acrescentando que “eles acreditam que o príncipe Bandar, um veterano da intriga diplomática em Washington e no mundo Árabe, poderia fornecer o que a CIA não podia: aviões carregados de dinheiro e armas, e, como disse um diplomata americano, wasta, suborno em arábico.”

Bandar tem anunciado o principal objectivo da política externa saudita, escreveu o WSJ, derrotar Assad e os seus aliados do Irão e do Hezbollah. Para isso Bandar convenceu Washington a apoiar um programa de treino e armamento dos rebeldes a partir duma base militar na Jordânia.

O jornal escreve que ele reuniu com “jordanos preocupados sobre semelhante base”:

As reuniões em Amman com o rei jordano, Abdullah, chegavam a durar oito horas de cada vez. Fonte familiarizada com as reuniões disse que “o rei brincava: “Ah, Bandar está de volta? Vamos arranjar dois dias para a reunião.”

A dependência financeira da Jordânia explica o poder da Arábia Saudita e um centro de operações jordano ficou operacional no Verão de 2012 incluindo, segundo fontes oficiais árabes citadas pelo WSJ, uma pista de aviação e paióis de armamento, principalmente AK-47 e munições.

Embora as fontes sauditas garantam que suportam principalmente os grupos rebeldes moderados, o jornal escreve que “fundos e armas estão a ser canalizados para os radicais, com o objectivo de conter a influência dos rivais islamitas apoiados pelo Qatar” mas os rebeldes entrevistados disseram que o príncipe Bandar é conhecido como “al-Habib” ou “o amante” pelos combatentes da Al-Qaeda na Síria.

Peter Oborne, escrevendo no Daily Telegraph, deixou um aviso sobre a precipitação de Washington em punir o regime de Assad com o chamados “ataques limitados” não direccionados para o derrube do líder sírio mas apenas para diminuir a sua capacidade de uso de armas químicas, considerando que os principais beneficiários da atrocidade foram os rebeldes que em risco de perder a guerra contam agora com a intervenção favorável de americanos e ingleses. Enquanto parece haver poucas dúvidas sobre o uso de armas químicas, o mesmo não se pode dizer sobre quem as usou.

É importante lembrar que Assad já anteriormente foi acusado do uso de gás venenoso contra civis, mas na ocasião uma representante da ONU na Síria, Carla del Ponte, concluiu que era maior a probabilidade da responsabilidade ter sido dos rebeldes que de Assad.»

Embora a página Mint Press News informe cautelosamente que alguma da informação do artigo não pôde ser confirmada por fontes independentes, nem por isso a revelação do papel do regime saudita (uma oligarquia tão pouco democrática quanto a alauita que dirige a Síria) deixa de ser importante, remetendo mesmo para o seu papel no financiamento da Al-Qaeda e recordando que na origem daquela rede terrorista de enraizada conotação sunita estiveram os interesses ocidentais anti-soviéticos e os radicais wahhabitas (seita sunita radical originária da Arábia Saudita) alicerçados na vasta disponibilidade de petrodólares sauditas.
Embora muito se discuta a influência de cada uma das correntes sunitas no seio da Al-Qaeda, é inegável que a base da formação do saudita que mais tarde personificaria a organização, Osama Bin Laden, foi o wahhabismo e que embora oficialmente rejeitado esta corrente salafita foi hegemónica na Arábia Saudita, tendo constituído forte aliada da dinastia Al-Saud desde a formação do reino, e beneficiária de grandes financiamentos.

A denúncia das actividades dos serviços secretos sauditas, dirigidos por Bandar bin Sultan (graduado pela RAF inglesa, pela norte-americana John Hopkins University e ex-embaixador saudita em Washington), obviamente não confirmada, encaixa perfeitamente no jogo político-diplomático característico da região e dos interesses ocidentais. Agora, como durante a Guerra do Afeganistão, o apoio norte-americano à Frente Al-Nusri (integrante da oposição síria ao regime de Al-Assad e membro reconhecido da Al-Qaeda) não seria visto com bons olhos (como então não seria o apoio a Bin Laden), pelo que o recurso aos serviços (e aos fundos) dos amigos sauditas constitui uma boa e prática solução, tanto mais que são amplamente conhecidas as divergências com o governo pró-xiita de Damasco e tudo serve de argumento para manter a efervescência dum caldeirão onde se pretende preservar a todo o custo a integridade daquele que continua a assegurar o papel de principal bastião dos interesses ocidentais – Israel – e se juntam os interesses turcos e qataris.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

PRONTO PARA SALTAR - I


Enquanto se aguarda a conclusão das últimas formalidades – a aprovação do Congresso – continuam-se, para os lados de Washington, os preparativos militares e anuncia-se que o «Plano de Obama para ataque à Síria começa com ofensiva mediática», mantendo completo silêncio sobre relatos que questionam a tese norte-americana.


Entre estes conta-se a publicação no sítio MINT PRESS NEWS dum artigo contendo entrevistas a médicos, rebeldes e moradores na zona atingida, assinado pelos jornalistas independentes Dale Gavlak e Yahya Ababneh.

A primeira referência que encontrei sobre este trabalho foi na página VOLTAIRE NET e enquanto localizava a fonte, confirmei-a no artigo «O interesse dos EUA na Síria» que Maria João Tomás assina no DN e onde a autora conclui «…este parece ser o timing certo para se decidir o futuro da Síria e reparti-lo pelas partes interessadas. Por isso se torna tão conveniente que os americanos intervenham para se assegurarem de que os russos e o Irão não ficarão com tanto poder como gostariam. Digamos que, estrategicamente, a altura é a ideal

Confirmada a relativa credibilidade dos dois “freelancers” – a primeira é de nacionalidade norte-americana e colaboradora regular da Associated Press e da BBC e o segundo é de nacionalidade jordana, foi o entrevistador no terreno e também colaborador de várias publicações, entre as quais a Associated Press – e pelo que contém de relativa novidade na imprensa nacional aqui deixo a tradução da primeira parte do artigo intitulado:


por Dale Gavlak and Yahya Ababneh

Ghouta, Síria —, Enquanto após o último ataque químico, ganha apoios a ideia duma intervenção militar norte-americana, pode bem suceder que estes e os seus aliados estejam a acusar os falsos responsáveis.

Isso é o que parecem indicar entrevistas realizadas em Damasco e em Ghouta, um subúrbio da capital síria, onde a ONG Médicos sem Fronteiras assegura que pelo menos 355 morreram na última semana no que se julga ter sido um ataque com um agente neurotóxico.

Americanos, ingleses, franceses e a Liga Árabe acusaram o regime do presidente sírio, Bashar al-Assad de realizar ataques com armas químicas, tendo civis como principal alvo. Com navios de guerra norte-americanos estacionados no Mediterrâneo prontos para lançar ataques em represália pelo uso de armas químicas, americanos e aliados não parecem interessados em examinar indícios contraditórios, enquanto o secretário de Estado John Kerry afirma que a responsabilidade de Assad foi “claramentre julgada por toda agente”.

Porém, de entrevistas com médicos, rebeldes e as suas famílias residentes em Ghouta, emerge uma imagem diferente. Muitos crêem que os rebeldes receberam armas químicas através do chefe ddos serviços secretos sauditas, o príncipe Bandar bin Sultan, e foram os responsáveis pelo ataque mortífero.

“O meu filho perguntou-me há duas semanas se fazia ideia do tipo de armas que ele tinha sido encarregue de transportar,” disse Abu Abdel-Moneim, o pai dum combatente rebelde , que vive em Ghouta.

Abdel-Moneim disse que o seu filho e 12 outros rebeldes morreram no interior dum túnel usado para o armazenamento de armamento fornecido por um comandante saudita, conhecido como Abu Ayesha, e descreveu algumas armas como uma “estrutura de tipo tubular” enquanto outras pareciam grandes “botijas de gás.”

Habitantes de Ghouta disseram que os rebeldes usavam mesquitas e casas particulars para dormirem enquanto armazenavam o armamento em túneis.

Abdel-Moneim disse que o filho e os companheiros morreram durante o ataque com armas químicas. Nesse mesmo dia, o grupo Jabhat al-Nusra, ligado à al-Qaeda, anunciou que em represália atacaria civis em Latakia, na região ocidental controlada pelo regime sírio.

“Não nos disseram de que tipo de armas se tratava nem como usá-las,” queixou-se uma combatente chamada “K”. “Não sabíamos que eram armas químicas. Nunca imaginámos que fossem armas químicas”.

“Quando o príncipe Bandar fornece esse tipo de armas deve fazê-lo a quem saiba como manuseá-las e utilizá-las,” disse “K”, que como outros sírios não querem divulgar os nomes com receio de represálias.

Outro bem conhecido líder rebelde em Ghouta, chamado “J” concordou, acrescentando que “os militants do Jabhat al-Nusra não cooperam com os outros rebeldes no terreno, não partilham informação secreta, apenas usam os demais rebeldes para transportar e operar o material”.

“Estávamos muito curiosos sobre essas armas e infelizmente alguns dos combatentes manusearam-nas incorrectamente e provocaram as explosões,” disse ainda ‘J’.

Médicos que trataram as vítimas do ataque químico avisaram os jornalistas para serem cuidadosos nas questões sobre quem, ao certo, caberia a responsabilidade pelo ataque mortífero.
O grupo humanitário Médicos sem Fronteiras acrescentou que os socorristas que auxiliaram 3.600 doentes também se queixaram de sintomas idênticos, incluindo espumar pela boca, convulsões e problemas respiratórios e de visão, mas sem confirmação independente da informação.

Mais de uma dúzia de rebeldes entrevistados disseram que os seus salários são suportados pelo governo saudita

Confirmadas as fortes dúvidas sobre a pronta acusação formulada contra Bashar al-Assad – tão fortes que após saber-se a «Síria receptiva a proposta russa para a entrega de armas» químicas até já o secretário de Estado John «Kerry diz que Assad evitaria ataque se entregasse armas químicas» –, enquanto se aguardam novos desenvolvimentos e porque o teor da notícia vai muito além da mera questão a responsabilidade pelo uso de armas químicas, ligação saudita nele referida será objecto do próximo “post”.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

MISÉRIA NACIONAL


A retoma da actividade política nacional, habitualmente assinalada com as “universidades de Verão” dos partidos do centrão, foi este ano marcada pela notícia que «Governo e FMI usam dados deturpados sobre cortes salariais» reabrindo o debate em torno das políticas de austeridade.

Não bastando a imagem de amadorismo que tudo isto transmite, o que ressalta desta situação é a óbvia constatação que «Dados incompletos justificam estratégia de cortes salariais», a par com a não menos grave confirmação de que o actual Governo da República tem uma postura de completa subserviência a interesses externos. Até a canhestra desculpa onde «Governo nega deturpação de dados sobre salários e empurra responsabilidades para FMI» confirma que aqueles a quem os eleitores nacionais confiaram a tarefa de defesa dos seus interesses são passam afinal de títeres subservientes.

Pior, admitindo que, como assegura o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, os dados fornecidos corresponderam exactamente ao que foi solicitado pelo FMI, então não apenas este organismo de especialistas confirma que a verdadeira razão da sua existência (e das políticas que propugna) é outra bem diversa da publicamente anunciada “ajuda aos países em dificuldades” – a prática comprovada é a de que o objectivo será o de destruir os tecidos económicos para facilitar a implantação dos interesses dos capitais transnacionais –, como se comprova que a atitude do governo de Passos Coelho já ultrapassou os limites da subserviência enquanto continua a tropeçar em sucessivas afirmações e desmentidos.


Em São Bento já não responde apenas à voz do dono; agora, suprema ironia dos escravizados, já se antecipam os desejos dos “patrões” e se acorre a satisfazê-los em zelo e excesso. Talvez Passos Coelho ambicione vir a ser reconhecido como mais do que um “bom aluno”, mas sempre lhe recordo que depois do fracassado consulado europeu do “homem que serviu os cafés na Cimeira dos Açores” as suas hipóteses são diminutas e mais facilmente lhe estará reservado um canto obscuro que a ribalta da ilusão do poder.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

CHUMBADO NOVAMENTE

A decisão onde o «Tribunal Constitucional chumba requalificação da função pública» proposta pelo governo de Passos Coelho foi objecto de pronta notícia, mas talvez nem sempre da melhor forma.

É claro que se de pronto houve quem parodiasse a situação…


…também houve quem assegurasse que o Tribunal «Constitucional trava despedimentos na Função Pública» ou quem melhor noticiasse a decisão, salientando que aquele tribunal se pronunciou no sentido de «Redução de efectivos sim, mas não através desta lei».

Outras leituras houve, além das óbvias que foram corporizadas pelas confederações sindicais – com a «UGT congratula-se com chumbo da nova mobilidade especial» ou a «CGTP salienta que Governo viu terceiro "cartão vermelho" e deve cair» –,como aquela onde o «PS acusa Governo de não saber conviver com a Constituição», mas o que quero destacar é o conjunto de manchetes do ECONÓMICO que começando por afirmar que o Tribunal «Constitucional proíbe Governo de despedir na função pública» continua dizendo que a decisão foi tomada com «Quatro dos sete juízes indicados pelo PS» enquanto omite que a mesma foi aprovada por seis dos sete juízes que a apreciaram.

Esquecendo ostensivamente que na apresentação do acórdão o Presidente do Tribunal Constitucional deixou bem claro que o colectivo não se pronunciou sobre a constitucionalidade dos despedimentos na função pública mas sim sobre o teor da proposta do governo – dum governo que, recorde-se, nunca conseguiu apresentar um Orçamento Geral do Estado que não estivesse ferido de inconstitucionalidades – quanto aos mecanismos para requalificação/redução da mão-de-obra no sector público e não hesitando em inflamar os ânimos sobre uma questão que o próprio Passos Coelho já admitira no discurso do Pontal tratar-se de matéria susceptível daquela decisão.

O que realmente pairou no ar foi a efectiva razão para a arriscada opção política de voltar a ver o Tribunal Constitucional chumbar um diploma do governo; poderemos estar a assistir não à mera teimosia dum “aluno cábula” mas antes a uma estratégia de pura vitimização que espera colher frutos junto duma opinião pública desinformada (obrigado ONGOING/ECONÓMICO) e dum eleitorado mais “sentimental” ou, como indica a pronta reacção onde «Passos Coelho admite segundo resgate a Portugal», ao puro oportunismo de atribuir o inevitável (ver a propósito o “post” «INCONSCIÊNCIA») segundo resgate à decisão do Tribunal Constitucional, esquecendo deliberadamente que esta só aconteceu pela exclusiva responsabilidade de quem parece incapaz de respeitar as regras constitucionais.