Quando ainda
paira no ar o pó da chamada ao Governo dum dos administradores responsáveis
pela gestão do famigerado BPN, que tudo indica irá custar cerca de 7 mil
milhões de euros aos contribuintes portugueses, quando muito pouco se informa a
opinião pública relativamente ao resgate do BANIF (aos mil cento e cinquenta
milhões de euros em garantias somam-se os recente mil e cem milhões de aumento
de capital) e acabou de ser exibido na SIC um trabalho jornalístico sobre o
“caso BPN”, constituirá contributo positivo para a melhor compreensão possível
das pesadas responsabilidades do sector financeiro na actual crise global
recordar o caso recentemente divulgado dum banco italiano (ver
a notícia original do LA STAMPA) que entre nós o ECONÓMICO descreveu como «Um BPN à
italiana?» e que se traduz num escândalo de grandes proporções pelo uso de
derivados financeiros, envolvendo os anteriores administradores, a supervisão
do banco central (então dirigido por Mario Draghi, o actual presidente do BCE)
e o Deustche Bank, responsáveis pela ocultação de informação e empréstimos
fraudulentos.
O banco
italiano em causa, o Banco Monte
dei Paschi di Siena (MPS), é indicado como o banco em actividade mais antigo do
Mundo (foi fundado em 1472, ou seja, é anterior à descoberta do Novo Mundo e
trezentos anos mais velho que a unificação italiana) e encontra-se hoje
enredado numa volumosa teia de especulação com produtos derivados financeiros,
dívidas que ascenderão a quase 4 mil milhões de euros e crescentes dúvidas
sobre a transparência do negócio de aquisição em 2007, ao grupo SANTANDER, do Banco
Antonveneta, por 9 mil milhões de euros
(quando quase na mesma data o SANTANDER comprava o ABM AMRO por 6,6 mil
milhões).
A história do
descalabro pode, segundo a referida notícia
do LA STAMPA, recuar a 1995, ano em que foi decidido converter a sociedade de
tipo mutualista numa sociedade por acções e que Roberto Barzanti, o muito
respeitado ex-autarca do PCI (Partido Comunista Italiano) descreve assim: «Os habitantes de Sienas têm tido dificuldade em
aceitar a separação entre as actividades filantrópicas do "Monte" e as do próprio banco, que devia ter sido concretizada através da criação por um lado, duma fundação, e pelo
outro, dum banco de capital
aberto. As coisas mudaram, quando finalmente o passo foi
dado, mas tudo foi feito para que
nada realmente mudasse»,
situação de compadrio entre política, negócios e benemerência que se arrastou
até há pouco mais de um ano quando se descobriu a fragilidade do sistema e as
populações foram confrontadas com profundas reduções nas subvenções ao futebol
(Siena Calcio), ao localmente muito amado clube de basquetebol (Mens Sanna) ou
ao ex-libris mundial que é o famoso
Palio.
Plenamente
inserido na lógica financeira global, o MPS cedo se envolveu nos “negócios”
próprios da pura lógica financeira e após a aquisição de dois bancos regionais
(Banca Agricola Mantovana e Banca del Salento) de pronto se abalançou ao
Antonveneta,
decisão quase certamente justificada na óptica da criação de massa crítica,
enquanto iniciava a actividade no “interessante” mercado dos produtos
derivados. Desta actividade, desenvolvida especialmente com os bancos Nomura e
Deutsche Bank e numa vertente puramente especulativa (e para a qual nem sequer
apresentava aptidão histórica), resultaram os primeiros prejuízos, estimados em
mais de 700 milhões de euros que os administradores do MPS começaram por
disfarçar com um empréstimo de 1.500 milhões de euros junto do… Deutsche Bank.
Como é
bem sabido, aos primeiros prejuízos ocultados outros se sucederam e após aquele
empréstimo em 2008, o MPS viu-se obrigado a pedir novo resgate no ano seguinte;
desta vez obteve-o junto do governo italiano e no montante de 1.900 milhões, a
que se somaram mais 500 milhões em 2010, com a agravante de só em 2011 ter
tornado público os primeiros 1.500 milhões de resgate.
Com
dívidas a rondarem os 4 mil milhões de euros e o recurso a um mecanismo de
ocultação em tudo idêntico ao que a Goldman Sachs montou para ocultar a dívida
grega (recurso a operações de curto prazo com produtos derivados, porque
acreditavam que a crise agravada em 2008 com a falência do Lehman Brothers seria
um sobressalto passageiro e nunca o cataclismo que abalou profundamente a
essência dum sistema financeiro global, cheio
de activos tóxicos e manobrado como se duma economia de casino se tratasse), o velho e respeitável MPS viu o seu valor reduzir-se em quase 90%
e enfileirar entre os menos respeitáveis “banksters”[1] da actualidade.
Este
caso deixa claro os efeitos da promiscuidade entre a finança (em especial a
especulativa), a política e outos hemisférios tantas vezes nebulosos (como o do
desporto) dificilmente pode resultar noutro final que o acumular de prejuízos,
com a agravante, nos casos italiano e português (a comparação é tanto mais
válida quanto as origens do problema – uma estratégia de crescimento a qualquer
preço –, a dimensão dos números, a promiscuidade com decisores políticos e o
envolvimento com actividades lúdico/desportivas são idênticas), de se persistir
na ideia que devem ser os contribuintes em geral a suportar os desmandos que
deveriam deixar os responsáveis (quer os que praticaram os actos, quer os que
os silenciaram) vermelhos de vergonha.
[1]
A designação “bankster” remonta ao
período da Grande Depressão e resulta da aglutinação dos vocábulos banker
(banqueiro, em inglês) e gangster, numa clara alusão à idoneidade da actuação
dos responsáveis pelo sector financeiro; no seu livro «Labirintos da crise
financeira internacional», José Manuel Rolo define assim o termo: «Em inglês, bankster é um neologismo derivado
da fusão dos substantivos banker e gangster duas palavras que denominam
profissões/actividades que, ao longo dos tempos, não raras vezes mostraram ter
demasiadas e inesperadas afinidades».
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