Ainda a poeira
das notícias sobre a recapitalização do BANIF, como a que informa que o «Governo
injecta 1.100 milhões no Banif», não assentou completamente e já é notícia
que o «Santander
prevê aprovar em Março fusão com Banesto e Banif», o que, reforça a imagem
de quais os verdadeiros “ganhadores” em mais uma negociata com fundos públicos.
Para não
variar, o caso do BANIF (como anteriormente o do BPN) traduz-se afinal numa
mera operação de nacionalização dos prejuízos, pois a concretizar-se aquela
fusão serão os accionistas do BANIF (os 700 milhões de acções especiais que
fazem parte do pacote dos 1.100 milhões subscritos pelo governo deverão ficar
de fora desse acordo, tal como ficam de fora da gestão do banco) a encaixar os
ganhos com as novas acções do SANTANDER.
Será então de
estranhar que continue a haver quem relembre o caso dos bancos islandeses e a
recusa dos cidadãos daquele país nórdico em suportarem os prejuízos?
Desde o
eclodir da crise global que a questão do resgate do sistema financeiro com
dinheiros públicos se converteu em tema de debate de crescente importância,
principalmente entre as correntes de pensamento que se opõem ao modelo
neoliberal e os sectores da cidadania que contestam o dogma da inexistência de
alternativas a um modelo económico que se traduz no empobrecimento da
generalidade das populações.
A ideia da
recusa do pagamento da crise financeira pelos fundos públicos ganhou um número
crescente de adeptos com as notícias que vão chegando da terra dos vulcões e
não se pense que o conceito de repúdio da dívida se resume aos sectores mais
contestários ou radicais, pois recentemente o próprio governo irlandês lançou
uma iniciativa para “limpar” parte significativa da dívida pública que resultou
do resgate e nacionalização do Anglo Irish Bank e do Nationwide. Isso mesmo
noticiou há dias o LA TRIBUNE (jornal
económico francês on-line), num artigo assinado por Romaric Godin descrevendo «Como
a Irlanda se livrou do fardo bancário numa noite»:
«Como a Irlanda se livrou do fardo
bancário numa noite
Dublin viveu
uma noite louca para resolver o seu problema bancário. Um movimento que levou o
país a obrigar o BCE a aceitar as suas condições.
Por Romaric
Godin
Nessa noite
houve um perfume de crise da dívida em Dublin. O governo irlandês lançou um
processo acelerado para a liquidação do Irish Bank Resolution Corporation (IBRC),
entidade que reúne os restos dos bancos Anglo Irish Bank e Nationwide, que foram
nacionalizados em 2009 e 2010.
Uma noite para agir
Cerca das 17
horas de quarta-feira, as agências Reuters e Bloomberg começaram a adiantar uma
eventual liquidação do banco. Michael Noonan, o ministro irlandês das Finanças receia
o pior. Se esta notícia se espalha, os depositantes do IRBC vão liquidar as suas
contas e os detentores de obrigações emitidas pelo IRBC vão procurar vender as suas
posições. O valor do banco pode entrar em colapso e o projecto de liquidação
suave, iniciado em Setembro, pode falhar.
Ao início da
noite, Michael Noonan acelera o processo que deve ser concretizado antes da
abertura dos balcões e dos mercados. No início da noite, os administradores do
IRBC são despedidos e o controle do banco é confiado à consultora KPMG. Cerca das
8h30, um projecto de lei de 52 páginas é apresentado ao Conselho de Ministros;
nele se prevê a transferência de todos os activos do IRBC para o banco público
NAMA e a emissão de obrigações por este último para pagar os credores. O projecto
é apresentado de urgência ao Seanad, o Senado irlandês, que o adopta, depois, cerca
das três horas é apresentado ao Dail, a Assembleia Nacional, que também o
aprova. Não é aceite nenhuma alteração. Cerca das seis horas, o Presidente da
Irlanda Michael Higgins, chegado de urgência de Roma, promulga a lei. O IRBC
deixou de existir.
A disputa com o BCE
O assunto
não fica por aqui. Nessa tarde, o governo anuncia que chegou a um acordo com o
BCE sobre a resolução do "reconhecimento de dívida" (notas
promissórias) de 30 mil milhões de euros aceites pelo Estado irlandês ao IRBC
em 2010 para que este se pudesse refinanciar junto do BCE. Aquelas notas
promissórias obrigavam Dublin a reembolsar, em Março de cada ano, 3 mil milhões
de euros ao IRBC para que este pudesse em seguida, pagar os recursos obtidos no
BCE. Obviamente, uma vez liquidado o IRBC, surge a dúvida sobre este pagamento.
Na realidade, Dublin forçou claramente o BCE a alcançar um acordo que este recusava
há meses concluir.
O acordo com
o BCE põe termo ao pagamento anual dos 3 mil milhões de euros. O reconhecimento
da dívida do Governo irlandês originada no IRBC é substituído pelo pagamento directo
ao BCE através de títulos públicos com uma maturidade de 40 anos e uma taxa de
juros de 3%. Segundo o Taoiseach (primeiro-ministro irlandês) Enda Kenny, isto
vai poupar mil milhões de euros por ano ao orçamento. "Vão ser impostos e
cortes orçamentais a menos", disse o Taoiseach.
Fim de um dossier envenenado
Com este
movimento precipitado Irlanda termina com um dossier que envenenou o seu
regresso aos mercados. Agora, o ex-"Tigre Celta" pode encarar o
futuro com mais confiança, tanto mais que o relatório da “troika”, publicado na
quinta-feira, não poupa elogios ao país. Restam, porém, duas questões.
Primeiro, a economia irlandesa continua frágil. Baseando-se exclusivamente nas exportações,
a procura interna permanece fraca com a construção de novas casas a atingir o
nível mais baixo desde 1970. Nada garante que a Irlanda possa ser um modelo
para o resto da Europa. Em segundo lugar, o acordo alcançado com o BCE é problemático,
pois este não deve comprar dívida emitida directamente pelos Estados da Zona Euro.
É certo que no caso se trata duma conversão da dívida bancária, mas isso parece-se
muito a um financiamento directo. É verdade que os líderes europeus e o BCE
tinham dito há algumas semanas que "a Irlanda foi um caso especial"…
tal como a Grécia. Assim, a Europa converte-se cada vez mais num somatório de
"casos especiais" que permitem aos dirigentes europeus evitar os seus
próprios compromissos. A principal lição deste "dia louco" é a de que,
pela primeira vez desde o início da crise, um país tem que vergar os seus
credores e o BCE num movimento rápido e original. Esta é talvez o maior sucesso
da Irlanda.»
Quando até já
em Portugal o dogmático Vítor «Gaspar
agrava recessão para cerca de 2% em 2013» e se assume publicamente que o «Risco
de depressão força Vítor Gaspar a pedir mais um ano a Bruxelas», parece
mais que nunca necessário alargar o debate do problema da dívida a outros
interlocutores, que não apenas os que ouvimos diariamente nos últimos anos, e
admitir que um dos cenários viáveis já foi experimentado recentemente e com
razoável sucesso na Islândia, país que está a ensaiar um modelo de participação
popular mais directa nas decisões sobre a condução dos seus destinos e que
despoletou a ideia da recusa do pagamento público dos ruinosos negócios
bancários, tanto mais que são crescentes os sinais de novo agravamento da crise
global que no limite conduzirá a uma progressiva inversão da actuação dos
poderes públicos na defesa a qualquer preço do sistema financeiro.
A revisão em
baixa das perspectivas para as principais economias, ditará a prazo (talvez bem
mais curto que muitos admitem) que os governos venham a assumir a sua
incapacidade para continuar a alimentar financeiramente a solução tão do agrado
dos “banksters” e que em breve
comecem a surgir regularmente notícias sobre novas falências no sector
financeiro, traduzindo assim o início dum processo de islândização da crise.
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