quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O LIMITE DA DÍVIDA

Para alguns observadores menos atentos (ou mais crédulos) até poderá parecer que o problema do limite do endividamento nos EUA está resolvido e que mais uma crise foi evitada.

Para recordação ficará apenas mais um episódio nas querelas partidárias entre Democratas e Republicanos, que será lembrado com maior o menor nostalgia em função dos futuros confrontos. Sucede porém que aquilo que foi dado assistir ao mundo inteiro não constituiu um mero episódio de luta política na antevisão das eleições presidenciais do próximo ano, antes o triste espectáculo do estado a que chegou a tacanhez das elites governantes (estejam elas no poder ou na oposição) que aceitaram conduzir a ainda principal economia mundial ao limiar dum precipício cujo fundo desconhecem em absoluto, em nome duma hipotética vitória no próximo pleito eleitoral.


Democratas e Republicanos, sem qualquer distinção, aceitaram envolver-se num combate de natureza táctica em torno duma questão eminentemente estratégica e cujas consequências estão ainda longe de completamente determinadas; até o aviso público que Paul Krugman deixou no THE NEW YORK TIMES, onde afirmou que os termos do acordo político irão deteriorar uma economia deprimida e agravar o problema da dívida norte-americana de longo prazo, corre o risco de se revelar optimista, pois além das temidas consequências de natureza económica – onde  se incluem as previsões de crescimento anémico daquela economia[1] nos próximos dois anos e o inevitável efeito contraciconista que terá a prometida revisão em baixa do “rating” da dívida norte-americana (pelo menos foi o que prometeram as principais agências de notação, a atestar por notícias como estas: «Standard & Poor’s ameaça baixa ‘rating’ dos EUA», «Moody’s ameaça cortar rating máximo aos Estados Unidos» ou «Agência chinesa vai baixar o rating dos EUA»[2]) sobre a economia mundial – será também de prever o abalo sobre a credibilidade e confiança no “gigante americano” garantidamente produzido por esta crise e pela inabilidade dos políticos que a conduziram.



A guerra quase fratricida aberta pelos congressistas norte-americanos em torno da questão do limite do défice trouxe à evidência as fragilidades dum sistema político assente no bipartidarismo e, pior, a demonstração que nada fará hesitar os seus principais actores na demanda da conquista do poder. Este fenómeno, que não é exclusivo dos EUA, está a condicionar a evolução de quase todas as economias ocidentais (ou não fossem estas as que assentam em modelos mais democráticos) como o confirma a situação de Chipre (o mais recente estado-membro da Zona Euro cujo «Banco central do Chipre alerta para risco de resgate financeiro» após o deflagrar duma crise política interna) e pode hoje ser apontado como uma das principais razões para o aprofundamento da crise global.

Outro importante sinal do desconforto provocado pela discussão em torno da dívida pública norte-americana é dado por notícias como as que dão conta das reacções russa e chinesa; quando a imprensa faz eco da afirmação de Vladimir Putin de que os «Norte-americanos “parasitam” a economia mundial» e ainda reforçam aquela ideia quando escrevem que a «China junta-se à Rússia nas críticas aos políticos norte-americanos», parecem cada vez mais claros os sinais de que aquela questão está a deixar marcas muito mais profundas do que os seus intérpretes querem reconhecer.

É evidente que a questão da dimensão dos défices públicos e a discussão académica que acarreta não é de modo algum comparável com uma bizantinice, como o foi a célebre discussão ecuménica em torno da determinação do sexo dos anjos que ocorreu no distante ano de 1453 precisamente quando os turcos otomanos se preparavam para conquistar Constantinopla, a ainda capital do Império Bizantino; o problema é que agora, como então, as elites pensantes parecem bem mais preocupadas com o acessório que com a questão fundamental – as medidas necessárias para enfrentar e debelar uma crise que apenas e tão só resiste às medidas tradicionais


[1] A confirmar esta afirmação e outra idêntica que em Maio passado inclui no “post” «DÓLAR EM ESTILHAÇOS», veja-se a recente notícia do PUBLICO que ao afirmar que «EUA: Consumo cai pela primeira vez em quase dois anos» mais não faz que antecipar o cenário para o último trimestre deste ano e a apresentação de resultados da economia americana abaixo das expectativas.
[2] Hoje mesmo surgiram notícias contradizendo parcialmente aquelas afirmações; assim, enquanto a «Moody´s reafirma “rating” máximo da dívida dos EUA e baixa “outlook”», a «Fitch mantém classificação máxima à dívida dos Estados Unidos» e a «Agência chinesa Dagong baixou “rating” dos EUA» apenas se confirma (se dúvidas ainda houvesse) que também na actividade de avaliação do risco soberano pesa, e de que maneira, o factor político.

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