Não será de espantar que em sociedades altamente mediatizadas ocorram de quando em vez fenómenos aparentemente desconexos, como o que referiu esta semana o NEGÓCIOS quando fez título que «Lá fora há cada vez mais ricos a querer pagar a crise».
Ignoro, porque a notícia pouco mais é que meramente descritiva, se a intenção do autor foi a de animar as “hostes”, transformar a ideia num exemplo ou apenas “glosar” um tema de segura atractividade jornalística, mas o facto é que apesar de entre nós Américo Amorim, o homem que é apontado como detentor da maior fortuna portuguesa, afirmar sem pejo ou hesitação: «Eu não me considero rico», ou a notícia de que «Cavaco Silva defende imposto sobre heranças e doações» (duas maobras de diversão) parece começar a formar-se uma corrente de opinião favorável a um aumento da imposição fiscal sobre os maiores rendimentos.
Depois da publicação no NEW YORK TIMES dum artigo de opinião assinado por Warren Buffett (um dos três homens mais ricos do Mundo) onde este apelava a «“Parem de mimar os super-ricos”»[1], o tema parece ter-se tornado moda e semelhante apelo já ecoou por terras de França, levando o DN a afirmar que existem «Milionários dispostos a pagar mais impostos para ajudar» e a generalidade da imprensa a referir-se ao “movimento” em termos particularmente gratos.
Sucede porém que a generosa oferta não pode ser encarada de forma simplista. A própria notícia do DN não deixa de referir que “Os signatários [do apelo francês] pedem ainda que o imposto tenha "proporções razoáveis" para "evitar indesejáveis efeitos económicos como a fuga de capitais ou o crescimento da evasão fiscal"” e eles devem saber bem do que falam pois um dos signatários é, nem mais nem menos que Liliane Bettencourt, a herdeira do império L’Oreal (a segunda maior fortuna de França) que no ano passado se viu envolvida num escândalo de fuga de capitais, de evasão fiscal e de financiamentos políticos envolvendo Eric Woerth, o ministro francês do Trabalho e figura muito próxima do presidente Nicolas Sarkozy.
Mas não é tanto a questão do alerta como a forma “pedinchona” como é apresentada – taxem-nos... mas não muito – que deve ser denunciada, pois toda a campanha informativa que está a rodear esta questão afigura-se muito mais como uma manobra desinformativa e preparatória de decisões políticas tonitruantes mas de reduzida ou nula eficácia prática, tanto mais que tudo continua por fazer no que respeita à extinção dos “offshores” e à indispensável harmonização e controlo fiscal sobre as transferências de capitais.
Mais importante que sabermos, que, por exemplo, a «Espanha pondera reintroduzir imposto sobre grandes fortunas» ou que «Portugal foi o único país do euro a subir IRS para os mais ricos», seria conhecer-se em que termos e sob que rendimentos (patrimoniais ou de capital) é que incidirá a nova imposição fiscal. É que não é indiferente o tipo de rendimento a tributar e ainda menos a avaliação do respectivo efeito prático no aumento das receitas públicas, a menos que todo este alarido não sirva senão para enganar os tolos leitores de cabeçalhos noticiosos, eles sim perpétuos e cada vez mais esmifrados contribuintes para a pretensa resolução duma crise que em boa parte é um mero resultado de décadas de distorcidas políticas de redistribuição dos rendimentos.
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