domingo, 30 de março de 2008

O ATOLEIRO IRAQUIANO

Poucos dias após a passagem do quinto aniversário do início da invasão do Iraque e as declarações de optimismo da Casa Branca – segundo a qual o plano Petraus para combater a violência naquele país está a resultar – eis que se reacendeu a violência em torno do importante centro petrolífero de Bassorá pouco após ter sido alcançado o fatídico número de 4.000 soldados norte-americanos abatidos no Iraque.

A atestar pelas notícias[1] não se estará a assistir a uma luta contra a Al-Qaeda nem a um confronto entre sunitas e xiitas. As divisões internas no Iraque parecem ter já evoluído para uma nova fase na luta pelo poder; o que actualmente se assiste é a um confronto entre facções xiitas – a afecta ao governo de Nuri al-Maliki e a de Moqtada al-Sadr, o célebre clérigo líder da milícia Exército do Mahdi – e num ponto particularmente sensível do território iraquiano, o principal porto de exportação de petróleo.

Como muito bem chama a atenção o jornalista Adam Brookes, da BBC, num artigo de opinião intitulado «A luta por Bassorá», a maior parte das principais forças políticas com expressão parlamentar dispõem de um braço militar[2] e a região de Bassorá é o coração económico e único porto de mar do Iraque; assim, quem controlar Bassorá terá sempre um importante papel a desempenhar no futuro do Iraque.

De forma directa ou indirecta (há quem diga que os milicianos do Exército do Mahdi envolvidos neste confronto já não seguem o líder al-Sadr[3], facto que parece improvável face às recentes declarações em que este recusou o ultimato lançado por al-Maliki[4] e exige a sua retirada de Bassorá[5]) tudo indica que o Iraque estará a iniciar uma nova fase de escalada da violência e também uma nova realidade na luta interna pelo poder que já se estende geograficamente até à própria capital, onde além de confrontos em Sadr City (arredores de Bagdad) também já registou bombardeamentos à Green Zone[6] através de rockets.

A iniciativa governamental de lançar um ataque às forças do Exército do Mahdi deve merecer uma especial atenção pelo significado que poderá revestir. Se para a administração de George W Bush, que já veio a público manifestar o seu apoio à iniciativa[7], o governo iraquiano está finalmente a agir no caminho correcto e as forças norte-americanas se têm limitado a fornecer apoio e cobertura às operações militares iraquianas, já para o referido analista o confronto poderá não passar de uma mera jogada de antecipação política em preparação de eleições que deverão ocorrer ainda este ano, tanto mais que os seguidores de Moqtada al-Sadr constituem o grupo político mais consistente na oposição a al-Maliki. Esta posição fortemente optimista da Casa Branca começa a ser contestada quando notícias mais recentes[8] dão conta do crescente envolvimento da aviação norte-americana nas acções militares em curso e não pode deixar de ser analisada à luz da recente retirada das tropas inglesas daquela cidade, decisão que terá conduzido a que o vazio de poder criado não tenha sido ocupado pelo exército iraquiano, mas sim pelos milicianos do Exército do Mahdi.

Além destes factos e do inegável crescimento do fenómeno da corrupção no Iraque, associado ao das milícias armadas, outro importante factor a considerar é que esta escalada de violência marca também o fim da trégua que o Exército do Mahdi estabelecera há cerca de um ano e que foi seguramente uma grande responsável pela redução da violência de que a administração Bush tanto se vangloria...

… mas cujo retomar de actividade não só pode voltar a reacender as acções de guerrilha contra o exército americano como representa uma inegável reorientação no alinhamento das forças envolvidas na guerra civil; o que até agora poderia ser descrito como uma luta entre facções com diferente orientação religiosa (sunitas contra xiitas), associadas à existência de um grupo minoritário étnico (os curdos), começa agora a assumir verdadeiros contornos de luta pelo poder no interior da facção mais numerosa.
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[1] Entre muitas outras ver as seguintes: «Fresh clashes break out in Basra», «Clashes continue in southern Iraq» e «Iran ‘behind Green Zone attack’», da BBC, «Milícia de Moqtada Al-Sadr ataca oleaduto em Baçorá», do DN e «Exército iraquiano lança operação contra milícia xiita em Bassorá» e «Sadr propõe negociações para pôr fim a combates em Bassorá», do PUBLICO.
[2] Enquanto o Exército do Mahdi é a força militar do grupo xiita liderado por Moqtada al-Sadr que integrará cerca de 60.000 milicianos, outra das principais forças é a Organização Badr, ala militar do também xiita Supremo Conselho Islâmico do Iraque (organização anteriormente conhecida por Brigada Badr, que apoia o primeiro-ministro Nuri al-Maliki), cujo número de efectivos deverá rondar os 50.000 homens; no lado sunita pontifica uma força recente, a Sahwa, cujos efectivos poderão ultrapassar os 60.000 homens. De igual importância é a milícia curda, conhecida pela designação genérica de peshmerga (literalmente, “os que enfrentam a morte”) grupo que depois de se destacar na oposição a Saddam Hussein teve um importante papel durante a invasão americana e deverá contar com um efectivo de cerca de 100.000 homens. Informações mais detalhadas sobre estes e outros grupos podem ser encontradas na página do “think tankCOUNCIL ON FOREIGN RELATIONS.
[3] Segundo esta notícia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS
[4] No passado dia 26 a BBC noticiava que Nuri al-Maliki oferecera 72 horas aos milicianos para se renderem, prazo que segundo noticia o JORNAL DIGITAL já terá sido prorrogado até dia 8 de Abril.
[5] De acordo com esta notícia do PUBLICO.
[6] Zona altamente fortificada de Bagada onde funcionam as principais instalações do exército americano, do governo iraquiano e das representações diplomáticas.
[7] Ver esta notícia do PUBLICO: «Bush diz que Exército iraquiano está a assumir as suas responsabilidades».
[8] Dentre estas destaquem-se as difundidas nas página on-line de A TARDE, de O ESTADO DE SÃO PAULO e da AFP.

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