Se George W Bush pudesse ser classificado entre os dirigentes políticos responsáveis, talvez estivesse agora sentado na sala oval, interrogando-se sobre a sua pouca sorte.
Como se não lhe bastassem os desaires que estão a ser as ocupações do Afeganistão e do Iraque, não faltaram durante a sua presidência alguns grandes desastres (o furacão Katrina que pôs à evidência as debilidades na segurança e no socorro das vítimas e a queda da ponte sobre o Mississipi por manifesta falta de manutenção), a necessidade de substituir Paul Wolfowitz à frente do Banco Mundial (para onde fora nomeado por Bush para combater a corrupção, mas donde saiu acusado de nepotismo) e nem agora uma crise financeira à boa moda de Wall Street. Pior ainda, esta crise ocorre num momento de extrema debilidade financeira do tesouro federal americano e perante as perspectivas de cada vez maiores necessidades financeiras para sustentar os “regimes democráticos” instalados no Afeganistão e no Iraque.
Se o cenário não parecer suficientemente negro adicione-se-lhe ainda o fracasso da recente iniciativa afegã para a erradicação dos “talibans”, agravada ainda pela degradação da conjuntura interna no Paquistão.
Depois do episódio da Mesquita Vermelha[1], o presidente paquistanês, o general Pervez Musharraf, vê-se a braços com um surto de violência como o país não registava há muito tempo. Em várias zonas do país, mas com particular destaque para o Vaziristão - zona fronteiriça com o Afeganistão normalmente apontada pelos serviços de informação norte-americanos como “santuário” dos “talibans” - onde os atentados suicidas se sucederam a uma cadência anormal tornando cada vez mais evidentes as fragilidades, quer a nível interno quer a nível externo, do regime militar liderado por Musharraf.
O Paquistão, que imediatamente após o 11 de Setembro de 2001 se apresentou ao lado dos americanos na primeira linha da luta contra Bin Laden e os “talibans”, mas que na prática pouco ou nada fez até ao momento, encontra-se agora numa situação particularmente delicada. Se ao nível interno Musharraf é bem capaz de aproveitar a crise da Mesquita Vermelha (se é que não a fomentou) para adiar um processo eleitoral previsto para o final deste ano, que além de difícil se prefigura como perigoso e assim prolongar a permanência do aparelho militar no poder, já ao nível externo dificilmente conseguirá convencer a administração Bush do seu empenho e eficácia na luta contra os radicais islâmicos.
Perdida a sua postura moderada, acossado pelas forças partidárias e religiosas que sempre se opuseram ao regime militar, surge como cada vez mais provável a opção pela proclamação do estado de emergência (mesmo que, a líder da oposição e ex-primeiro-ministro, Benazir Bhutto, considere tal opção como um retrocesso[2]) o que até pode tornar menos delicada uma eventual acção militar norte-americana na região.
Esta, perfeitamente possível e enquadrável na luta contra os “talibans”, pode até ser mais que uma possibilidade, conhecida que é a habitual estratégia dos EUA – em caso de crise interna há sempre a possibilidade de atacar alguém para minimizar aqueles efeitos negativos – e este é um dos momentos particularmente adequados.
Mesmo considerando a intervenção que o FED realizou – injectando 38 mil milhões de dólares no circuito monetário e em consonância com idênticas intervenções do BCE (cerca de 150 mil milhões de euros) e dos bancos centrais do Japão e da Austrália – no sentido de “acalmar” os mercados financeiros, mas sem descer a sua taxa directora, mantém-se a pressão para novas intervenções e especula-se sobre possíveis alterações para breve das taxas de referência.
Com os mercados financeiros em crise e uma economia americana extremamente vulnerável aos investimentos estrangeiros, as alternativas começam a ser cada vez menores, quer para Ben Bernanke – o rosto visível da política monetária ditada pelo FED –quer para George W Bush; se para o primeiro a questão se coloca entre descer a taxa directora do FED para reduzir a avalanche de falências ditadas pela crise do sector imobiliário ou subi-la para “agradar” aos investidores estrangeiros (com a China à cabeça), para o segundo as opções podem ser ainda menores depois do fracasso que ameaça constituir a “jirga” de paz[3] reunida por Hamid Karzai.
Mesmo após algumas notícias[4] terem avançado a hipótese de Musharraf falar à assembleia no último dia dos trabalhos, o que aliás já se confirmou[5], nem por isso os seus resultados deverão ser melhores que os antevistos na sua primeira sessão, onde, segundo noticiou o DN o primeiro-ministro paquistanês, Shaukat Aziz, «…lembrou que, "em primeiro lugar", os “talibans” são afegãos e que Cabul não deve "culpar" os outros pela falta de reconciliação do seu próprio povo».
As incertezas, nos mercados e na famigerada “Guerra contra o Terror”, bem podem justiçar a questão: QUE MAIS IRÁ ACONTECER?
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[1] Lal Masjid ou Mesquita Vermelha é o nome do local de culto onde se barricaram centenas de militantes do Jaish-e-Mohammad (Exército de Maomé, organização radical islâmica fundada em 2000 pelo clérigo Maulana Masood Azhar, com o objectivo de apoiar um movimento insurreccional no território de Caxemira, sobre o qual Paquistão e Índia mantém há muito um diferendo). No dia 10 de Julho, e após prolongadas e infrutíferas negociações entre os radicais e o governo, este acabou por ordenar o assalto à mesquita e às instalações adjacentes que incluíam uma escola, da qual terão resultado mais de uma centena de mortos.
Durante toda esta crise, iniciada no princípio do ano, em múltiplas ocasiões várias vozes se fizeram ouvir recordando a existência de uma estreita relação entre os líderes da Jaish-e-Mohammad e os serviços secretos paquistaneses (ISI), facto que ajudará a explicar o desenrolar dos acontecimentos.
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[1] Lal Masjid ou Mesquita Vermelha é o nome do local de culto onde se barricaram centenas de militantes do Jaish-e-Mohammad (Exército de Maomé, organização radical islâmica fundada em 2000 pelo clérigo Maulana Masood Azhar, com o objectivo de apoiar um movimento insurreccional no território de Caxemira, sobre o qual Paquistão e Índia mantém há muito um diferendo). No dia 10 de Julho, e após prolongadas e infrutíferas negociações entre os radicais e o governo, este acabou por ordenar o assalto à mesquita e às instalações adjacentes que incluíam uma escola, da qual terão resultado mais de uma centena de mortos.
Durante toda esta crise, iniciada no princípio do ano, em múltiplas ocasiões várias vozes se fizeram ouvir recordando a existência de uma estreita relação entre os líderes da Jaish-e-Mohammad e os serviços secretos paquistaneses (ISI), facto que ajudará a explicar o desenrolar dos acontecimentos.
[3] Jirga é a designação das assembleias tradicionais no Afeganistão. A “jirga” de paz é uma iniciativa proposta por Hamid Karzai (o presidente afegão escolhido pelos EUA após a ocupação daquele país), apoiada por George W Bush e por Pervez Musharraf, que propõe reunir durante três dias líderes tribais e religiosos da região fronteiriça entre o Afeganistão e o Paquistão, para estabelecer uma plataforma de combate aos “talibans”; teve início no dia 9 de Agosto de 2007 e, contrariamente ao previsto, não contou com a presença do presidente paquistanês na sua abertura.
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