sexta-feira, 17 de agosto de 2007

O CHUMBO E A CUPIDEZ

Nos últimos tempos não tem havido órgão de informação, com especial destaque para os televisivos, que não dê particular destaque ao facto da MATTEL[1] estar a retirar do mercado milhões dos seus produtos em virtude de ter sido detectada a presença de quantidades anormais de chumbo e outros materiais tóxicos nos brinquedos que comercializa.
Tratando-se de uma marca de referência no seu ramo, notícias sobre a menor segurança dos seus produtos terá um grande impacto nas vendas, tão grande que prontamente os responsáveis pela empresa comunicaram que estavam a retirar do mercado os produtos em questão e que estes eram fabricados na China.
Nos tempos que correm não constitui nada de espantoso que uma empresa da dimensão da MATTEL subcontrate a fabricação dos seus produtos a empresas que lhe assegurem as maiores margens – diferença entre o preço pago à produção e o preço exigido aos clientes – nem que a localização geográfica desses subcontratados seja o continente asiático – local sobejamente conhecido pelo baixo custo da mão-de-obra – e ainda menos que perante a divulgação da baixa qualidade dos produtos esta se veja “desculpar” com os “chineses”, tanto mais que com o crescimento que a economia chinesa está a registar tudo o que possa desgastar a imagem desta economia será sempre útil.
Custos à parte (e talvez nem sejam assim tão grandes porque o incidente pode bem ajudar a negociar novas encomendas a custos inferiores) talvez tudo não passasse de um mero incidente que os consumidores de pronto esqueceriam, não fossem as notícias que dão conta do trabalho realizado por uma equipa de químicos norte-americanos, que chegou à conclusão que os metais pesados usados na fabricação dos referidos brinquedos tiveram origem nos próprios EUA.
O WALL STREET JOURNAL divulgou, em primeira mão, o estudo realizado por uma equipa de investigadores da Universidade de Ohio que concluiu que os brinquedos em questão apresentavam teores elevados de chumbo, mas também cobre e estanho o que indiciava tratar-se de chumbo utilizado em soldaduras de circuitos impressos.
Sendo do conhecimento público que os EUA “exportam” anualmente cerca de 50 milhões de toneladas de lixo electrónico para a China, nada mais natural que estes mesmo resíduos acabem por ser reciclados e enviados de volta aos seus “produtores”. Bem podem agora alegar os responsáveis pela MATTEL que as empresas que subcontratam violam as suas regras de segurança, porque estas fazem precisamente o mesmo relativamente aos seus fornecedores enquanto o ciclo de “desresponsabilização” se perpetua.
Os fabricantes chineses argumentam que os seus clientes americanos sabem perfeitamente o que estão a comprar e que os preços baixos que praticam só são possíveis naquelas condições. O artigo do COURRIER INTERNATIONAL cita um fabricante chinês que se especializou na fabricação de jóias de fantasia para adolescentes usando uma liga metálica com cerca de 70% a 80% de chumbo: «Fazemos o que pedem os nossos clientes. Se nos encomendarem produtos sem chumbo também os podemos fazer, mas quando virem quanto vai custar baixar o teor de chumbo muitos americanos vão desistir».
Irónico é que os grandes defensores da economia de mercado pareçam sofrer os efeitos da desregulamentação (desresponsabilização) que tanto defendem, mas cuidado, porque quando o “sacrossanto” mercado lhes prega partidas desta natureza tratam rapidamente de encontrar bodes expiatórios e novas formas de lucrar com a situação. A MATTEL que agora terá que fazer face aos custos de recolha e substituição dos produtos perigosos vai seguramente obrigar os seus subcontratados a substituir aqueles produtos a preços reduzidos e vai cobrar mais dos seus clientes por lhes proporcionar produtos garantidamente não tóxicos. Até quando...
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[1] A MATTEL, empresa norte-americana sediada na Califórnia é o maior fabricante mundial de brinquedos, contando entre os seus produtos a famosa boneca “Barbie”, os carros “Hot Wheels” e “Matchbox”, a linha “Fisher-Price”, a “Polly Pocket” e muitos outros.

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