domingo, 19 de agosto de 2007

ANTI-SEMITISMO E ANTI-SIONISMO

Uma recente entrevista a Avraham Burg[1] publicada no COURRIER INTERNATIONAL, levou-me a pesquisar um pouco mais em torno do tema e a reler um texto seu publicado no jornal britânico GUARDIAN há quase quatro anos.

Em poucas palavras, a tese deste ex-presidente do Knesset (parlamento israelita) resume-se a defender que ao Estado de Israel restam duas alternativas de futuro, ou se assume como um estado religioso, sionista, racista e autocrático, estabelecendo fronteiras rígidas e expulsando todo os palestinianos do seu interior, ou se transforma num estado democrático e aceita o veredicto nas urnas entre as comunidades judia e palestiniana.

Esta polémica, bem real para quem viva o dia-a-dia de conflito entre árabes e judeus, entronca numa outra que vem agitando os meios intelectuais judaicos fora de Israel. Nos EUA e na Grã-Bretanha discute-se há algum tempo a questão do “legalidade” da crítica ao Estado Judaico pelos judeus.

Conhecidos e poderosos que são há muito tempo os lobbies judaicos, a sua influência e capacidade de intervenção parece agora um pouco reduzida em função do arrastamento da questão palestiniana e dos mais recentes desenvolvimentos político-militares no Médio Oriente, pelo que é crescente a divulgação de teses e trabalhos de intelectuais judeus questionando questões tão “sagradas” como o sionismo e a política do Estado de Israel. Entre estes contam-se personalidades como o historiador inglês Tony Judt, o dramaturgo americano Tony Kushner, os universitários americanos Stephen Walt et John Mearsheimer (autores de um polémico artigo publicado em 2006 denunciando a influência do lobby pró-israelita na política externa norte-americana) e a britânica Jacqueline Rose, que o Comité Judaico Americano não tem poupado às habituais acusações de anti-semitismo[2].

Talvez saudosos dos bons tempos em que bastava brandirem a insinuação para que todos à sua volta se silenciassem, os zelosos defensores da ortodoxia sionista desmultiplicam-se agora em artigos de jornal para tentar explicar o que cada vez mais pessoas revelam dificuldades em entender: que criticar as teses sionistas
[3] que conduziram à instalação do Estado de Israel, a sua política intrinsecamente racista é o mesmo que atacar os judeus e ser anti-semita.

Sinónimo desta mudança é também a publicação em finais de 2006 do livro do ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, com o título «PALESTINA – PAZ SIM, APARTHEID NÃO» e a criação no início deste ano do Independent Jewish Voices, uma rede de judeus britânicos que pugna pela defesa de princípios como a defesa dos direitos humanos, a rejeição de todas as formas de racismo e o estabelecimento de igualdade de oportunidades para Palestinianos e Israelitas na construção da paz, precisamente quando se assinalavam os quarenta anos da ocupação da Cisjordânia e da faixa de Gaza pelo exército israelita.

Quando são crescentes as vozes que se interrogam sobre o mundo que nos rodeia e a forma como os poderosos (políticos, líderes religiosos ou donos de empresas) o vão (des)governando é cada vez mais marcada a linha que separa os “livres pensadores” dos defensores das ortodoxias e das praxis que nos conduziram ao quase caos em que vivemos. A velocidade e a facilidade com que a informação hoje circula reduzem cada vez mais o campo de manobra àqueles que vinham habituados a uma prática primária de manipulação e de demagogia para sustentarem a legitimidade das suas afirmações. Mesmo deplorando e condenando o extermínio de milhares de judeus ocorrido durante a II Guerra Mundial é cada vez mais claro que a invocação deste massacre não pode continuar a sustentar argumentos (e ainda menos práticas) ao abrigo das quais os sobreviventes e os seus descendentes pretendem obter vantagens reais e duradouras sobre outros povos.

Não condenar o terrorismo de estado que os sucessivos governos sionistas têm praticado na Palestina deve ser hoje entendido como um crime tão grave como o de negar a barbárie que o regime nazi praticou sobre as minorias ditas não-arianas; ora é precisamente isto que os radicais judaicos querem hoje confundir como sendo uma posição anti-semita.
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[1] Nascido em Jerusalém em 1955, Avraham Burg é filho de Yossef Burg (judeu de origem alemã, refugiado na Palestina em 1933 e pilar Partido Nacional Religioso, em representação do qual foi ministro em vários governos israelitas, falecido em 1999). Serviu no exército israelita (IDF), foi membro do Partido Trabalhista e activista do movimento Peace Now; Avraham Burg presidiu a Agência Judaica entre 1995 e 1999, tendo desempenhado um papel relevante no processo de indemnização dos bens judaicos confiscado durante a II Guerra Mundial. Desempenhou as funções de presidente do Parlamento Israelita entre Maio de 1999 e Dezembro de 2003 e figura entre os signatários da Iniciativa de Genebra, assinada em 1 de Dezembro de 2003 com um grupo de delegados palestinianos, que fixa os princípios de coexistência pacífica entre Israel e o futuro Estado Palestiniano. Em Julho de 2004 abandonou todas as funções políticas para iniciar uma carreira na área financeira e actualmente vive em França.
[2] Segundo a definição dos dicionários, anti-semita é todo inimigo da raça judaica, de sua cultura ou de sua influência. Trata-se de uma definição anacrónica por duas razões: 1) porque a ciência não admite hoje que as diferenças étnicas entre os seres humanos alcancem a classificação de raça; todos os homens e mulheres pertencem a uma única raça, a humana e 2) porque a religião, cultura e tradição judaicas são compartilhadas por vários grupos étnicos.
A definição contém, ainda, um terceiro erro: os semitas, que segundo a Bíblia seriam os descendentes de Sem, filho de Noé, não só são apenas os judeus, mas também os povos árabes.
A palavra alemã ‘antisemitismus’ foi usada pela primeira vez, já com o seu sentido actual, pelo jornalista e agitador alemão Wilhelm Marr, que a aplicou como um eufemismo no lugar da expressão ‘ódio aos judeus’. Em 1912 a Liga Pan-germânica adoptou o anti-semitismo como um de seus princípios, uma decisão que constituiu o primeiro passo para a tragédia que se desencadearia sobre a Europa a partir da década de 1930. (in
Wikipédia)
[3] Sionismo é um movimento político que defende o direito à autodeterminação do povo judeu e à existência de um Estado Judaico. Desenvolveu-se a partir da segunda metade do século XIX, em especial entre os Judeus da Europa central e da Europa de Leste, sobre a pressão de ‘pogroms’ e do anti-semitismo crónico destas regiões, mas também na Europa ocidental, no seguimento do choque causado pelo caso Dreyfus. (in Wikipédia)

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