domingo, 29 de janeiro de 2006

O ABSURDO PALESTINIANO

No dia em que foram oficialmente anunciados os resultados das eleições palestinianas, continuam a suceder-se as reacções e peripécias em torno deste acontecimento. Não tanto pelo acto em si (para a imprensa internacional a sua mera realização já não apresenta qualquer valor) mas pelas reacções que a vitória do Hamas (grupo fundamentalista islâmico defensor da luta armada contra a ocupação israelita) suscitou.

Paralelamente não deixa de ser curioso que num momento em que a chanceler alemã, Ângela Merkel, visita aquela região, se tenham registado declarações de dirigentes do Hamas manifestando interesse numa reunião com aquela dirigente europeia, enquanto, simultaneamente, o chefe do governo israelita, Ehud Olmert, tenha reafirmado a posição do seu governo de recusar qualquer negociação com o Hamas enquanto este movimento não cessar as acções armadas e não reconhecer a existência do estado de Israel.

Enquanto as notícias que vão chegando da Palestina dão conta de uma evidente moderação na linguagem dos dirigentes do Hamas, verifica-se que israelitas e americanos acentuam uma posição de ruptura com o débil e até agora praticamente ineficaz processo de paz. É notável que o maior defensor mundial da democracia e dos direitos do homem (pelo menos é assim que as administrações americanas tanto gostam de se apresentar) venha levantar questões e pronunciar ameaças de sanções económicas sobre a Autoridade Palestiniana por em resultado de um processo eleitoral que os observadores internacionais (entre os quais figurava o antigo presidente Jimmy Cárter) consideraram como democrático e válido um grupo mais radical ter conquistado o direito à governação dos territórios palestinianos.

Além da medonha hipocrisia que semelhante atitude revela, resta ainda por explicar como pretenderão os americanos resolver esta situação. Será que George W Bush vai disponibilizar mais armamento sofisticado a Israel para que este elimine de forma definitiva o povo palestiniano? Ou pelo contrário vamos assistir ao recrudescimento da mais condenável política de assassinatos selectivos dos membros da nova Autoridade Palestiniana, levada a cabo pelas unidades especiais do exército judaico com o apoio dos serviços de informação e localização por satélite que os EUA controlam?

A resposta provável para esta questão será um conjunto das duas hipóteses, tanto mais que com este cenário o governo israelita ficará com as mãos livres para prosseguir a sua política de construção do muro de segurança (que isolará ainda mais os territórios palestinianos, impedindo-os de fazer funcionar qualquer simulacro de economia) e executar as acções de flagelação que entenda em território palestiniano a pretexto de qualquer coisa que entenda fazer perigar a sua segurança interna.

Perante um cenário desta natureza (na prática tratar-se há de um processo de lento genocídio de um povo) quando é que os responsáveis pela política mundial (europeus incluídos) entendem que uma solução viável para aqueles territórios terá que passar por uma profunda alteração na forma de abordagem do problema. Enquanto os governos dos países ocidentais persistirem numa prática de proibição aos palestinianos de tudo o que autorizam ou sancionam aos judeus, não só não haverá paz na Palestina, como dificilmente a haverá noutros pontos do mundo.
É certo que os interesses que têm levado as potências ocidentais a privilegiar o estado judaico em detrimento do estado palestiniano, poderão ter como explicação inicial o que de terrível aconteceu à comunidade judaica na Europa durante a II Guerra Mundial; hoje porém os interesses são outros e resultam da necessidade de controlo das zonas produtoras de hidrocarbonetos de forma a garantir o controlo da economia global.

Enquanto a comunidade mundial continuar a deixar-se manipular por declarações bombásticas e lugares comuns primários (como o confronto entre religiões, a visão maniqueísta que divide o mundo entre “bons” e “maus” e um direito a um definir quem estes são) continuaremos a confrontar-nos com situações como as da Palestina, do Afeganistão, do Iraque e do Irão. Continuaremos a confundir a árvore com a floresta e no meio tempo alguém vai lucrando cada vez mais com estes ou outros focos de conflito, ateados pela cegueira e irracionalidade de um punhado de “homens de mão” desses mesmos interesses, que para cúmulo do absurdo se fazem eleger por nós próprios.

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