quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

O IRÃO E A QUESTÃO NUCLEAR

A decisão iraniana de reiniciar os trabalhos de pesquisa na área nuclear, em resultado do fracasso das tentativas europeia e russa para dissuadir o Irão de tal prática, já mereceu uma posição oficial da União Europeia e dos EUA, que em conjunto advogam a apresentação da questão no Conselho de Segurança da ONU, seguido de um eventual processo de aplicação de sanções.

Procurando manter uma imagem de normalidade as diplomacias ocidentais acrescentaram que não contemplam o uso da força como elemento de dissuasão para o conflito. Porém, como é sabido, esta já foi utilizada por duas vezes contra instalações iraquianas de idêntica natureza e o governo israelita já declarou que poderia repetir a acção.

Sendo natural que no ocidente se encare o programa nuclear iraniano como potencialmente perigoso (por poder conduzir à produção de armamento nuclear e convém não esquecer que este é considerado como um dos países islâmicos mais radicais), importa lembrar algumas das questões que me parecem muito ligadas com esta opção.

O programa nuclear no Irão não começou com a subida ao poder dos “ayatollah”, em 1979; pelo contrário, foi iniciado vinte anos antes, durante o regime do Xá Reza Pahlavi e com o alto patrocínio do governo americano da época, que estava muito interessado no desenvolvimento do negócio do urânio e apoiava o líder iraniano que ajudara a colocar no poder.

Este programa conheceu sucessivas vicissitudes mas esteve sempre orientado para o desenvolvimento de tecnologias aplicadas a fins não militares, conforme previsto no tratado de não proliferação nuclear, e a reactivação do reactor iraniano no passado dia 9 de Janeiro foi acompanhada por inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) e que o governo de Teerão já tinha aceite a hipótese de realização de inspecções surpresa por parte daquele organismo internacional .

É certo que apesar de refutadas algumas das dúvidas mantém-se a principal delas: alguém pode garantir que o Irão não virá a produzir armamento nuclear?

A resposta é simples e fácil: é óbvio que não!

A comunidade internacional está justamente preocupada com o possível aparecimento de mais um arsenal nuclear e, talvez pior que isso, com o facto do estado que a tal se pode estar a aprestar se tratar de um estado islâmico de matriz particularmente radical.

Porém, o período particularmente conturbado que se vive no Médio Oriente pode estar a ser usado pelo Irão no sentido de garantir o prosseguimento do seu programa nuclear. A demonstração de força norte-americana no Iraque pode muito bem vir a funcionar de forma favorável às pretensões iranianas, seja por justificarem aos olhos da comunidade árabe a necessidade do “argumento” nuclear (o que poderá ainda aumentar a importância do Irão enquanto potência regional), seja por em certa medida reduzirem as hipóteses de retaliação militar americana ou israelita (uma decisão nesse sentido apenas iria avolumar as razões invocadas pelos fundamentalistas para a manutenção da “jihad”) assegurando ainda a hipótese de um estado árabe vir a dispor de armamento nuclear.

Provando que esta pode ser uma linha real de raciocínio temos o facto de o Irão ter comprado à Rússia, no final do ano passado, sistemas de mísseis terra-ar TOR-M1. A aquisição deste tipo de equipamento defensivo significa que Teerão contempla a hipótese de uma acção militar contra as suas instalações nucleares, mas é ao mesmo tempo um claro sinal da intenção da sua disponibilidade para proteger aquelas instalações e forçar os atacantes a contemplarem a hipótese de pesadas baixas na acção.

A União Europeia, que após ter visto fracassarem as negociações que procurou manter com o Irão sobre o seu programa de enriquecimento de urânio aparece agora alinhada com a posição americana, não deverá equacionar medida mais gravosa que a aplicação de sanções económicas, opção que se poderá revelar ruinosa para os seus interesses na zona, tanto mais que as empresas americanas já dominam o vizinho Iraque.

Aparentemente o regime iraniano tem revelado capacidade para “jogar” com a instabilidade regional, a fragilidade da posição da União Europeia, o interesse da Rússia no fornecimento de tecnologia nuclear e armamento convencional, as limitações da administração norte-americana (para quem é neste momento é quase impensável a abertura de uma nova frente de guerra), a agitação no “mundo árabe” originada pela política americana e judaica e, até pela incerteza que reina na política interna israelita com a incapacidade do seu actual líder, para se poder vir a tornar na primeira nação árabe a integrar o clube dos países nucleares (ao qual, convém não esquecer, já pertence Israel).

Mesmo com a perigosidade que representa um regime de arreigada ideologia religiosa poder vir a aceder a armamento nuclear, convém não esquecer que aquele de que já dispõe os EUA, a Rússia, a França, o Reino Unido, a China, Israel, a Índia e o Paquistão é já suficiente para assegurar a destruição da vida (pelo menos nas formas que a conhecemos) no planeta que habitamos, e com o tempo torna-se cada vez mais difícil garantir que Israel continue a ser o único país com capacidade nuclear na região. Tentando ver o problema por um lado mais positivo, talvez a futura capacidade nuclear do Irão possa contribuir para uma solução mais rápida e mais equilibrada do problema palestiniano.

Há muito quem ainda acredite que há males que vêem por bem…

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