domingo, 8 de janeiro de 2017

A “PÓS-VERDADE” E O POPULISMO

Nos últimos tempos não há meio de comunicação que se preze que, a propósito do “Brexit”, da eleição de Trump,do referendo italiano ou das eleições europeias que se avizinham, não refira a “pós-verdade” para explicar o que lhes afigura inexplicável.

A “pós-verdade”, afinal, não é mais que uma narrativa onde a emoção e as convicções pessoais desempenham um papel mais decisivo na construção da opinião pública que os factos objectivos; por outras palavras, trata-se da aplicação dum princípio geral bem conhecido no marketing, onde o que importa não é a realidade, mas a percepção que dela temos... ou que os demagogos nos vendem. Entrámos no campo ideal do populismo onde alguém apresenta algumas verdades aceites pela generalidade, mas de cuja enunciação duma forma incorrecta, resulta o seu reconhecimento como o novo salvador.


Se alguém reconhecer nesta descrição um qualquer recém-chegado à política não é coincidência, antes é porque ele não passa dum demagogo populista.

Mas isto está a acontecer apenas pelo desgaste dos políticos tradicionais, porque é crescente o número dos que se estão a deixar seduzir por estas novas figuras, ou pelos interesses que os sustentam?

E como podem (e devem) ser combatidos?

E, em boa verdade se diga, que o melhor antídoto continua a residir numa observação e análise criteriosa dos seus discursos e da exigência por políticas de autenticidade. Habituemo-nos a contrariar a aceitação fácil e acrítica do que ouvimos e lemos; pensemos na quantidade de informação que diariamente nos fornecem para no dia seguinte a desdizerem ou contradizerem com a mesma facilidade e ligeireza de sempre. Interroguemo-nos, sempre, sobre quem pode efectivamente beneficiar de cada evento ou ideia que nos apresentam como absolutos e definitivos.

Lembremo-nos que a tão necessária autenticidade pode começar por aqueles que analisem e reconheçam os seus próprios erros... O que no caso europeu significaria:

  • reconhecerem que os critérios de convergência do Tratado de Maastricht resultaram num crescente divórcio entre a política e os cidadãos;
  • reconhecerem que não souberam aproveitar o alerta lançado pelos cidadãos em 2005, quando da rejeição francesa e holandesa do Tratado que propunha uma Constituição para a Europa;
  • reconhecerem que a corrupção globalizada e a sua quase ausência de resposta, levaram a alargar um fosso que outra coisa não faz que multiplicar os problemas:
  • reconhecerem que foram os líderes dos partidos políticos que desgastaram a sua própria legitimidade, quando o mundo globalizado e os partidos deviam ter procurado estruturar-se e converter-se em partidos transeuropeus;
  • reconhecerem sua incapacidade de prever e criar uma visão para o futuro, identificando os principais desafios para as sociedades que pretendem dirigir.
Mas, serão os actuais líderes ocidentais (social-democratas, democratas-cristãos, liberais, ou qualquer outra que seja a sua “família” política) capazes desse passo indispensável para parar a onda de populismo que grassa ou continuam agarrados à ideia que o reconhecimento dos erros (e a óbvia e indispensável correcção possível) destruí-los-ia e aos seus partidos?

Na falta de personalidades carismáticas do passado – Olof Palme, Willy Brandt ou até Mário Soares, que com a suas qualidades e defeitos conseguiram sobrelevar o  interesse geral sobre o particular –, teremos agora que ajudar a criar novas, se quisermos recuperar alguma da dignidade e dos valores que os interesses instalados têm subvertido.

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