Nos últimos
tempos não há meio de comunicação que se preze que, a propósito do “Brexit”, da
eleição de Trump,do referendo italiano ou das eleições europeias que se
avizinham, não refira a “pós-verdade” para explicar o que lhes afigura
inexplicável.
A
“pós-verdade”, afinal, não é mais que uma narrativa onde a
emoção e as convicções pessoais desempenham um papel mais decisivo na
construção da opinião pública que os factos objectivos; por outras palavras, trata-se da aplicação dum
princípio geral bem conhecido no marketing, onde o que importa não é a
realidade, mas a percepção que dela
temos...
ou que os demagogos nos vendem. Entrámos no campo ideal do populismo onde alguém
apresenta algumas verdades aceites pela generalidade, mas de cuja enunciação duma
forma incorrecta, resulta o seu reconhecimento como o novo salvador.
Se alguém reconhecer
nesta descrição um qualquer recém-chegado à política não é coincidência, antes
é porque ele não passa dum demagogo populista.
Mas isto está
a acontecer apenas pelo desgaste dos políticos tradicionais, porque é crescente
o número dos que se estão a deixar seduzir por estas novas figuras, ou pelos
interesses que os sustentam?
E como podem
(e devem) ser combatidos?
E, em boa
verdade se diga, que o melhor antídoto continua a residir numa observação e
análise criteriosa dos seus discursos e da exigência por políticas de
autenticidade. Habituemo-nos a contrariar a aceitação fácil e acrítica do que
ouvimos e lemos; pensemos na quantidade de informação que diariamente nos
fornecem para no dia seguinte a desdizerem ou contradizerem com a mesma
facilidade e ligeireza de sempre. Interroguemo-nos, sempre, sobre quem pode
efectivamente beneficiar de cada evento ou ideia que nos apresentam como absolutos
e definitivos.
Lembremo-nos
que a tão necessária autenticidade pode começar por aqueles que analisem e
reconheçam os seus próprios erros... O que no caso europeu significaria:
- reconhecerem
que os critérios de convergência do Tratado de Maastricht resultaram num crescente
divórcio entre a política e os cidadãos;
- reconhecerem
que não souberam aproveitar o alerta lançado pelos cidadãos em 2005,
quando da rejeição francesa e holandesa do Tratado que propunha uma
Constituição para a Europa;
- reconhecerem
que a corrupção globalizada e a sua quase ausência de resposta, levaram a
alargar um fosso que outra coisa não faz que multiplicar os problemas:
- reconhecerem
que foram os líderes dos partidos políticos que desgastaram a sua própria
legitimidade, quando o mundo globalizado e os partidos deviam ter
procurado estruturar-se e converter-se em partidos transeuropeus;
- reconhecerem
sua incapacidade de prever e criar uma visão para o futuro, identificando
os principais desafios para as sociedades que pretendem dirigir.
Mas, serão os
actuais líderes ocidentais (social-democratas, democratas-cristãos, liberais, ou
qualquer outra que seja a sua “família” política) capazes desse passo
indispensável para parar a onda de populismo que grassa ou continuam agarrados
à ideia que o reconhecimento dos erros (e a óbvia e indispensável correcção
possível) destruí-los-ia e aos seus partidos?
Na falta de personalidades carismáticas
do passado – Olof Palme, Willy Brandt ou até Mário Soares, que com a suas
qualidades e defeitos conseguiram sobrelevar o
interesse geral sobre o particular –, teremos agora que ajudar a criar novas, se quisermos recuperar alguma da dignidade e dos valores que os interesses
instalados têm subvertido.
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