Enquanto reina
o caos na Síria e no Iraque, emergem três protagonistas de dimensão idêntica no
actual conflito no Médio Oriente; a Arábia Saudita, o Irão e a Turquia são três
estados envolvidos no conflito sírio cujos interesses poderão convergir face ao
Daesh (veja-se a tantas vezes referida indulgência do regime turco face às
actividades e “negócios” realizados no seu território), mas diferem no que diz
respeito ao estado sírio.
As três
potências regionais preocupam-se prioritariamente com a sua sobrevivência e com
a solução da crise económica, financeira e social. Para a Arábia Saudita isso significa
ultrapassar a era do petróleo e lançar-se na exploração de novas riquezas; para
a Turquia o importante é evitar o vespeiro em que a Europa se está a
transformar e manter um papel central de mediador entre os continentes europeu, asiático
e africano; já para o Irão o importante é recuperar o seu lugar entre as
potências da região do Médio Oriente.
Para a Arábia
Saudita a era do petróleo está a tomar um rumo preocupante, pois a queda nos
preços não é apenas consequência de um abrandamento da procura (que a redução da
produção não tem solucionado) mas uma mudança dos paradigmas gerais, com os estados
a tentarem limitar a dependência energética, nomeadamente com os EUA a tornarem-se
o primeiro produtor de petróleo garças aos xistos betuminosos, a Europa a voltar-se
para outras produções (nuclear, carvão, eólica, hídrica e solar), enquanto
novos actores, como o Irão, fazem a sua entrada no mercado.
Sobrecarregada
por uma dívida estrutural (o país apresentou em final de 2015, pelo terceiro
ano consecutivo, um défice orçamental de 20% do PIB e para 2016 as previsões não
são muito melhores), a Arábia Saudita enfrenta ainda uma estagnação económica
(onde os custos astronómicos com a guerra no Iémen surgem a par com a queda do
preço do petróleo) e o risco de conflitos sociais, consequência dos
trabalhadores imigrantes continuarem a ser tratados como cidadãos de segunda.
Ainda assim, o regime saudita aspira a um estatuto de potência dirigente no
mundo árabe e islâmico, estendendo pela força dos petrodólares, a sua
influência ideológica em todo o mundo árabe pobre, que nem por isso simpatiza
mais com eles, cujos tecidos sociais muito sofrem com a polarização entre
modernidade ocidental e arcaísmo saudita.
A Turquia é a
potência regional mais directamente afectada pela instabilidade geopolítica local,
onde, além da guerra na Síria, se destaca a crise curda, os atentados
terroristas que estão a minar as receitas da importante indústria do turismo,
as sanções russas e a vaga de refugiados para os quais a Turquia é a porta de
acesso à Europa de Schengen, mas que ainda assim tem conseguido manter um
crescimento moderado. O acordo firmado com a UE para a contenção dos refugiados
no seu território reforçará a sua capacidade financeira, algo nada displicente
quando precisa de fazer face aos custos com um exército que ocupa o oitavo lugar
no mundo e o primeiro no Médio Oriente.
Ainda assim a
Turquia almeja um papel central na região em termos de cooperação económica e
de segurança (resolução de conflitos), posicionamento global, integração no G10
e um papel importante em organizações internacionais e no mundo islâmico.
Com a excepção
dos EUA e dos seus parceiros no mundo árabe (Israel incluído) o Irão tem vindo
a normalizar as relações internacionais contrariando o argumento das diferenças
religiosas; reservas que na realidade dever-se-ão muito mais ao desejo de
conter os apetites económicos ressurgidos depois da queda das barreiras criadas pelas
sanções internacionais. A prová-lo está o facto do Irão preferir preços de
exportação mais elevados para maximizar a receita da sua produção petrolífera,
contra a estratégia da Arábia Saudita que quer manter os preços baixos para
competir com o preço do petróleo de xisto norte-americano.
O regresso do
Irão ao cenário internacional é uma clara oportunidade para o país e para o
mundo não só por representar um mercado, livre da influência ocidental, desligado
dos petrodólares (ao contrário da Arábia Saudita) e decididamente orientado para
o continente asiático. Esta opção e o facto do Irão apresentar uma população muito
jovem e com crescimento demográfico está a transformá-lo num actor essencial e
central no Médio Oriente, impondo estratégias de desenvolvimento que são difíceis
de contrariar, apesar das debilidades que constituem a elevada taxa de
desemprego, que atingiu 40%, o envelhecimento dos líderes e o anquilosamento do
seu sistema político.
O Irão,
liberto do espartilho da economia dos petrodólares, pode preconizar estratégias
baseadas num mundo multipolar (o país é já um dos destinos da rota da seda,
intensifica suas relações com a Índia, e com a Rússia, com quem mantém um projecto para construir um canal que ligaria o Mar Cáspio ao Golfo Pérsico) e uma
orientação assertiva para a Ásia e para a constituição duma grande coligação
com as potências continentais asiáticas – Rússia, China, Índia e Paquistão –,
enquanto no âmbito regional afirma a sua aspiração a um papel de líder, especialmente
quando não exclui uma aproximação com a Turquia.
De matriz
religiosa diferentes (Irão, xiita versus
Arábia Saudita e Turquia, sunitas), procurando apoios distintos (ligação da
Arábia Saudita aos EUA, da Turquia à Europa e com o Irão a aproximar-se da
Ásia) e de origens diversas (os sauditas são árabes originários da Península Arábica, os turcos são originários da Ásia Central e Oriental, enquanto os
iranianos são originários da Ásia Central com forte influência persa), todos têm
vindo a reforçar os seus orçamentos militares (lembremos que a Turquia dispõe do
oitavo Exército do mundo e o primeiro Médio Oriente, a Arábia Saudita viu os
seus orçamentos de defesa e de armamento dispararem com o seu envolvimento na
guerra no Iémen e o Irão destina 5% do orçamento total para o programa de
reforço das suas capacidades de defesa e sem referir a proliferação nuclear, situação
em que pensamos imediatamente num Irão acusado de continuar a desenvolver o seu
programa de mísseis balísticos, mas onde não se pode esquecer que a Arábia
Saudita também deterá armas nucleares, já em 2013 a BBC assegurava que
os sauditas estariam a cofinanciar o programa nuclear paquistanês, e se a Turquia
não as produz nem por isso deixa de ser depositária de algumas bombas
americanas por via da sua inclusão na NATO), almejam ver-se entre os países do
G10 ou do G20 e no papel de incontornáveis potências continentais nas relações
geopolíticas mundiais.
É na aspiração da Arábia Saudita, do Irão e da Turquia,
desempenharem um papel central na região, que se sustentará a construção dum novo
Médio Oriente aberto em perspectivas multipolares, para a Ásia, Rússia, Europa,
e o aproveitamento desta dinâmica poderá permitir finalmente àquela região
ponderar caminhos de pacificação que lhe pertencem exclusivamente, corrigindo,
quiçá, muitos dos desmandos provocados pelas administrações francesas e
inglesas durante a primeira metade do século passado (ver o post «DE
CESSAR-FOGO EM CESSAR-FOGO»).
Para os três
candidatos trata-se ainda de proteger o futuro dos respectivos regimes políticos, com
todos os defeitos que se lhes conhecem: a monarquia absolutista da Arábia
Saudita, o regime dos mullahs para o
Irão, o lugar de Erdogan na Turquia. Mas quer se trate da Arábia Saudita, da Turquia
ou do Irão, o essencial para cada um deles é garantir um papel preponderante na
organização futura da sua região, o que deixará pouco espaço para a afirmação
doutros interesses menores, como os dos sírios, libaneses, curdos ou arménios.
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