quinta-feira, 22 de setembro de 2016

DE CESSAR-FOGO EM CESSAR-FOGO

Menos espantoso que o anúncio, em meados deste mês, que mais um «Cessar-fogo na Síria entrou em vigor» na Síria, foi passada apenas uma semana a confirmação que «O cessar-fogo que todos achavam que iria falhar, falhou».

Gorado mais um acordo de cessar-fogo no teatro de guerra sírio ficaram as habituais trocas de acusações entre as partes beligerantes que no caso sírio vão muito além dum simples pró ou contra o regime alauíta de Bashar al-Assad, pois há muito que o Mundo Árabe se encontra fragmentado ou destruído por múltiplos conflitos.
Como se não bastasse a profunda divisão religiosa entre sunitas e xiitas, o próprio Ocidente se encarregou de fomentar e/ou agravar as mínimas dissensões entre povos que têm quase tudo para partilharem um futuro comum.


Basta recordar os perniciosos efeitos da presença europeia na região no período de entre as duas guerras e do famigerado Acordo Sykes-Picot que regulou a divisão entre franceses e ingleses e esteve na origem dos mandatos francês e inglês que conduziram ao desenho da maioria das fronteiras hoje em vigor na região. Implodido o Império Otomano, com o desfecho do conflito, e renegadas as legítimas aspirações de autodeterminação dos povos árabes, recorrendo à estratégia de “dividir para reinar”, ingleses e franceses impuseram os seus interesses e implantaram regimes de forte pendor autocrático, muitos dos quais ainda hoje se mantém e que com a colaboração posterior dos EUA facilitaram as condições para a criação do Estado de Israel.

Não se estranhe pois que para os povos árabes a credibilidade dos países ocidentais (França, Inglaterra e EUA) registe níveis muito baixos e que a sua capacidade de influência acabe por quase se circunscrever às petromonarquias do região do Golfo, que deles dependem para o funcionamento da indústria petrolífera e para a aquisição de equipamento militar; a própria ONU não regista melhor resultado desde que aceitou pacificamente o desrespeito pela Resolução 181, o chamado Plano da ONU para a partilha da Palestina, ou mais recentemente nas Resoluções 242 e 338, sobre a criação do Estado Palestiniano.

Sem um interlocutor em quem as partes reconheçam isenção e capacidade de diálogo com as diferentes facções e os diversos interesses regionais (Turquia, Arábia Saudita e Irão) e internacionais (EUA, Rússia e UE) em jogo, conflitos como a guerra civil síria manter-se-ão por ausência de propostas de solução credíveis, meros interesses políticos ou da indústria de armamento, mas sempre anunciados e propalados na imprensa sob a capa do humanitarismo ou dos direitos cívicos, a mesma imprensa que esquece completamente que, como escrevi em Janeiro de 2013 no “post«VIOLÊNCIA SÍRIA», a estratégia que está a ser «...implementada pelos EUA com as invasões do Afeganistão e do Iraque e continuada no apoio mais ou menos activo à “Primavera Árabe”, redundará no caso da Síria na substituição do regime alauita por outro de matriz sunita que, mais cedo que tarde, originará um problema de perseguição às diversas minorias que integram o intrincado xadrez étnico-religioso da região, no qual se incluem curdos, turcos, arménios, drusos, xiitas (de que os alauitas são um ramo) e cristãos ortodoxos.

A queda de Assad e uma mais que provável subida ao poder da facção wahabita (a mais radical e melhor organizada dentro da maioria sunita) dará origem a notícias de novas perseguições no território sírio e então veremos se o Ocidente reagirá com a mesma veemência e empenhamento que o actualmente usado contra os alauitas».

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