Ainda em
rescaldo eleitoral e quando se aguarda o desenvolvimento duma decisão
presidencial que toda a gente conhece de antemão, mas, recorde-se, exigiu um
esforço tal ao seu perpetrador que este esteve ontem (data da comemoração da
Implantação da República) em abnegada reflexão, aproveitemos para uma rápida
apreciação sobre aqueles resultados.
A vitória foi
anunciada com pompa e circunstância, segundo a tradição, ao bater da hora de
encerramento das urnas; a coligação PSD/CDS viu renovado o mandato para
prosseguir a política de austeridade expansionista que longe de resolver (ou
reduzir sequer) a dívida pública, tem servido para assegurar o aprofundamento
dum modelo de distribuição da riqueza nacional claramente prejudicial para o
factor trabalho.
Tanto bastou
para que da “generosa” UE chegasse a notícia que «Alemanha
e Eurogrupo vêem nas eleições o reconhecimento das políticas de austeridade»,
esquecendo convenientemente que PSD e CDS perderam cerca de 740 mil votos entre
2011 e 2015. Nada que altere o resultado final: a coligação de direita venceu
as eleições, de pouco servindo as subidas de votação da generalidade da
oposição (o PS teve cerca de 174 mil votos a mais, o Bloco teve mais de 260 mil
votos e até o PC obteve mais 3 mil votos) ou até o aumento da abstenção que,
contrariando as primeiras previsões, passou dos 41,97% de 2011 para 43,07%.
As razões para este resultado começaram já a ser escalpelizadas – desde a infeliz campanha dum PS que nunca conseguiu (ou quis) apresentar-se como uma verdadeira alternativa ao duo PSD/CDS e se deixou enredar em estéreis discussões sobre a responsabilidade da crise em detrimento duma clara desmontagem das políticas do Governo e das alternativas que poderia representar, passando pela habitual campanha de fixação de eleitorado do PC, ou a relativa novidade que foram as primeiras figuras do Bloco. Claro que, como em ocasiões anteriores, os meios de comunicação voltaram a encarregar-se de concentrar todas as atenções nos partidos do “arco do poder” e garantir a supremacia duma lógica da bipolarização particularmente conveniente para que algo pareça mudar enquanto tudo continua na mesma – mas a que talvez melhor explique o resultado final foi apresentada por Gustavo Cardoso, em finais de Setembro nas páginas do PUBLICO, no artigo «Portugal invisível e o medo do abismo».
A ser
verdadeira a sua apreciação, terá sido o “medo” a condicionar o resultado
final; o “medo” de mudar…, o “medo” do futuro…, o “medo” do medo…, ou até o
mais medonho de todos os “medos”: o “medo” de tomar uma decisão!
O certo é que
o “medo” e a proverbial incapacidade negociadora e de diálogo entre a classe
política vai arrastar-nos para a formação dum governo sem maioria parlamentar,
apoiado num presidente em fim de mandato e com um período de vida que poderá
coincidir precisamente com a mudança que inevitavelmente ocorrerá em Belém. A
provar a importância do papel presidencial estão as notícias que dão «Marcelo
mais perto de ser candidato a Presidente», enquanto «Rio
pode ir para o Governo».
Embora não seja adepto da ideia que uma vez mais a direita irá governar
contra uma maioria de esquerda (para tal era indispensável catalogar o PS na
“esquerda”, algo que a sua prática política regularmente repudia), a realidade
mostra que enquanto o PSD e o CDS voltam a forjar as alianças necessárias para
a sua continuidade no poder (o que quer que seja que isso signifique em termos
de jogadas de bastidores e de acordos para a troca de “cadeiras”), a oposição à
sua esquerda persiste em guerrinhas de alecrim e manjerona, sobrepondo os seus
interesses particulares ao interesse geral da implementação de novas políticas
que conduzam a generalidade dos cidadãos à melhoria das suas condições de vida.
A campanha para as eleições presidenciais que se avizinham será um bom barómetro da vontade de evolução dessas “esquerdas” e da sua (in)capacidade para estabelecer plataformas de ligação que originem uma única candidatura com condições para unir o que até agora se tem revelado desunido e com perfil de integridade capaz de recuperar a muito desacreditada função presidencial.
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