Mesmo o mais
distraído dos observadores da conjuntura política nacional não pode ignorar o
facto do resultado eleitoral ter introduzido algo de novo no tradicional
ramerame da alternância entre PS e PSD…
ou talvez não!
A pressa com
que Cavaco Silva veio para a televisão indiciar – porque como é seu hábito e
apanágio o discurso é de tal forma rebuscado que o afirmado parece sugerido e o
dito nunca foi referido – que iria convidar o líder do partido mais votado para
formar governo, se não foi uma violação grosseira do ponto 1 do Artigo 187º da
Constituição da República, que estabelece que «O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os
partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os
resultados eleitorais», foi, no mínimo, uma clara manobra de influência e
condicionamento dos partidos. Isso mesmo transparece de comentários de dois dos
candidatos presidenciais, quando Sampaio da «Nóvoa
considera "grave" se Cavaco Silva estivesse a diminuir espaço democrático»
ou quando «Henrique
Neto diz que Cavaco
Silva devia ter dito antes o que ia fazer».
Ainda mal
eram conhecidos os resultados eleitorais e já dois assessores presidenciais,
José Moura Jacinto e Nuno Sampaio, deixavam nas páginas do
EXPRESSO, uma clarificação do que chamavam
uma «
Uma
solução estável», dizendo, nomeadamente, que «[n]
os
sistemas de governo parlamentares ou semipresidenciais a regra é governar em
coligação. Na Europa essa tendência é marcante: apenas quatro Estados-membros
têm governos monopartidários».
Mas claro que não tem faltado quem conteste
outra solução que não a que mais lhe agrada, como é o caso do inefável Nuno
Melo, deputado do CDS, que já veio afirmar aos microfones da RDP que a «
"Ambição
socialista está a fazer mal a Portugal"» (esperando que todos
esqueçamos o mal que a ambição neoliberal fez a Portugal neste últimos quatro
anos), na mesma linha dum artigo de Diogo Agostinho que pretende fazer crer que
o debate aberto em torno da formação do próximo governo se assemelha a um
processo antidesportivo de querer «
Ganhar
na secretaria». É certo que António Costa deveria ter tido o cuidado de
minimizar as críticas se tivesse optado por apresentar a sua demissão de líder
do PS na sequência da vitória eleitoral da coligação PSD/CDS, tanto mais que
quase seguramente os órgãos do partido o reconduziriam, pelo menos até à
realização do próximo Congresso socialista, mas não é menos verdade que os
argumentos apresentados em contrário são por demais fracos. Exemplo disso é a
argumentação de Diogo Agostinho, que escreve sem pejo que: «
O problema deste país sempre foi a perfídia
na secretaria e o poder oculto. As eleições legislativas servem para eleger 230
deputados. No entanto, todos nós sabemos, servem também para escolher o
primeiro-ministro», ignorando que este é um
slogan que há muito os partidos do arco do poder e a imprensa que
lhes é afecta não se cansa de repetir, mas que carece da mais elementar
veracidade. As eleições legislativas, como o próprio nome indicam, servem para
eleger uma câmara de deputados, não para a escolha do primeiro-ministro. Se
assim fosse a eleição teria de decorrer a duas voltas (como sucede no caso das
presidenciais) para assegurar que o eleito nunca o seria por uma maioria
relativa.
Ao
contrário, como enfatizam os conselheiros presidenciais, a solução terá que
sair do quadro parlamentar e as opções parecem resumir-se a três: um governo
maioritário formado pelos partidos do arco do poder (PSD/CDS e PS), um governo
minoritário do PSD/CDS com apoio/abstenção do PS ou um governo minoritário do
PS com apoio parlamentar do Bloco e do PC. O busílis é que na actual conjuntura
de radicalização entre PSD e PS a terceira alternativa parece bem mais fiável e
quiçá capaz de sobreviver durante a duração da legislatura.
Cientes disso
mesmo, os partidários do PSD e do CDS não conseguem disfarçar mais o incómodo
que essa solução lhes acarreta. Repetem frases apocalípticas, do género da
proferida por Marçal Grilo, um ex-ministro de António Guterres, que assegurou a
quem o quis ouvir que «
“O
país está entalado. Governo à esquerda será um enorme desastre”», como se o
governo à direita que tivemos pudesse vir a assegurar outra coisa que não mais
da mesma contraproducente política da austeridade expansionista.
Claro que à
excepção da formação dum governo tripartidário (PSD/CDS e PS) as opções de
governo minoritário apresentarão sempre o risco de soçobrar às conveniências
tácticas de quem lhe proporcionar a maioria parlamentar, mas quando a primeira
hipótese parece seriamente comprometida pelo perfil e historial de
inflexibilidade do anterior primeiro-ministro que até já vez saber que «"Talvez
seja altura de pôr um ponto final" nas conversações com o PS»,
resta uma das outras duas e nesse caso parece, em teoria, mais sustentável um
apoio do Bloco e do PC a um governo minoritário do PS que um apoio deste a uma
versão minoritária do actual governo, em especial quando para sucessão
presidencial se antevê um cenário de eleição de Marcelo Rebelo de Sousa.
Sem comentários:
Enviar um comentário