quarta-feira, 28 de outubro de 2015

CONFISSÕES E RADICALISMOS

Enquanto se avolumam as notícias sobre a escalada de violência por todo o Médio Oriente, assistimos a uma comovente confissão televisiva (à cadeia norte-americana CNN) onde, o ex-primeiro-ministro britânico, Tony «Blair admite relação entre invasão do Iraque e aparecimento do Estado Islâmico».

Não fica mal e apazigua algumas consciências mais pesadas, mas pouco ou nenhum valor acrescenta aos complexos problemas duma região onde olhando para o seu mapa o que ressalta é um Iraque fragmentado e em vias de implosão, uma Síria em acelerado processo de destruição, um Afeganistão e um Paquistão longe da tranquilidade que os seus naturais desejariam e uma Palestina, ainda e sempre, ocupada e transformada na prática num mero campo de concentração, enquanto o Ocidente se revela cada vez mais indiferente aos problemas que originou.


É que não foi apenas a medonha mentira das armas químicas de Saddam Hussein, invocada para justificar uma invasão e uma ocupação militar que rapidamente descambou em mais um afrontamento entre sunitas e xiitas – facções islâmicas que se digladiam desde a morte de Maomé (632) –, que agudizou as tensões na região. O problema é bem mais antigo e há muito que a influência ocidental tem alimentado ódios e querelas; fosse no simples desenho de fronteiras segundo os interesses das potências europeias (veja-se o caso do Iraque, Síria, Líbano e Jordânia, “desenhados” na sequência da desagregação do Império Otomano em função dos interesses franceses e ingleses), no reconhecimento (ou oblívio) de povos e nacionalidades (drusos, curdos, arménios, judeus, palestinianos) em detrimento uns dos outros, ou no favorecimento alternado de sunitas e xiitas, seguindo a antiga máxima colonialista de “dividir para reinar”, já para não falar na indispensabilidade de criar um novo inimigo que substituísse a implodida URSS.

Somando a isto a inevitável disputa pela hegemonia entre potências regionais (Irão, Turquia e Arábia Saudita) e os conhecidos interesses russo e ocidental, estão encontrados todos os componentes para um longo e duradouro conflito.

Depois de se ter incentivado a migração de judeus para a Palestina e enquanto se alimenta a ancestral rivalidade entre sunitas e xiitas, procura-se esquecer as aspirações de curdos e palestinianos (duas das nações mais prejudicadas no conturbado cenário do Médio Oriente) bem como a implicação das petro-oligarquias (Arábia Saudita e Qatar) no moderno fenómeno da radicalização islâmica (seja a de cariz wahabita ou a de origem takfir ou salafita), para o qual a estratégia ocidental de protecção a Israel e às petromonarquias do Golfo tem servido de combustível ideal.

sábado, 24 de outubro de 2015

O ERRO DE CAVACO

O título deste post pode ser considerado despropositado (excessivo mesmo) ou até insultuoso, atendendo a que avalia quem sempre se julgou acima dessas minudências e proclamou até que “nunca se engana e raramente tem dúvidas”, quem afirmando-se como “não político” fez carreira na “política”, quem, exercendo um cargo político optou por continuar a receber a sua reforma, quem, por fim, apenas se fez ouvir para criticar a redução dessa mesma pensão de reforma.

Lembrar tudo isto sobre o personagem que ainda ocupa o Palácio de Belém é dizer pouco, muito pouco...


Tão pouco que o verdadeiro erro de Cavaco tem sido o de sobrepor a emoção (o desmedido apego ao seu PSD e ao afilhado CDS) à razão da voz e do voto popular e que ele (o paladino da estabilidade política), podendo, perpetuará ao manter em funções de gestão um governo rejeitado na Assembleia da República.

Pouco ou nada faltará para a famigerada suspensão temporária da Democracia proposta pela sua correlegionária, ex-ministra e ex-presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A ANGÚSTIA DUM REFORMADO ANTES DO ANÚNCIO

Tudo, mas literalmente tudo, é possível num País onde se diz que «Cavaco anuncia decisão sobre Governo até final da semana», porque a oportunidade do anúncio é condicionada por acontecimentos futebolísticos e judiciais, como se nada mais fosse importante.

Com a angústia a avolumar-se, a proclamação acabou por acontecer na linha daquela que vem sendo a sua actuação e alegando inconsistência à alternativa defendida por PS, PCP, Bloco de Esquerda e Verdes, «Cavaco Silva indigita Passos Coelho e apela à dissidência dos deputados do PS».


A opção do paladino da estabilidade confirmar-se-á, tudo o indica, com a agonia do novo governo PSD/CDS a culminar nas próximas semanas e, pior, a decisão do arauto dos mais altos valores morais é sustentada num claríssimo apelo à insubordinação dos deputados da bancada do PS, em nome do superior interesse nacional e duma visão, no mínimo parcial, dos valores e da prática democrática.

Depois deste despudorado apelo alguém duvida que a República esteja doente? muito doente e que a cura apenas possa surgir através da injecção de novos valores?

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

CENÁRIO NOVO…

Mesmo o mais distraído dos observadores da conjuntura política nacional não pode ignorar o facto do resultado eleitoral ter introduzido algo de novo no tradicional ramerame da alternância entre PS e PSD…


ou talvez não!

A pressa com que Cavaco Silva veio para a televisão indiciar – porque como é seu hábito e apanágio o discurso é de tal forma rebuscado que o afirmado parece sugerido e o dito nunca foi referido – que iria convidar o líder do partido mais votado para formar governo, se não foi uma violação grosseira do ponto 1 do Artigo 187º da Constituição da República, que estabelece que «O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais», foi, no mínimo, uma clara manobra de influência e condicionamento dos partidos. Isso mesmo transparece de comentários de dois dos candidatos presidenciais, quando Sampaio da «Nóvoa considera "grave" se Cavaco Silva estivesse a diminuir espaço democrático» ou quando «Henrique Neto diz que Cavaco Silva devia ter dito antes o que ia fazer».

Ainda mal eram conhecidos os resultados eleitorais e já dois assessores presidenciais, José Moura Jacinto e Nuno Sampaio, deixavam nas páginas do EXPRESSO, uma clarificação do que chamavam uma «Uma solução estável», dizendo, nomeadamente, que «[n]os sistemas de governo parlamentares ou semipresidenciais a regra é governar em coligação. Na Europa essa tendência é marcante: apenas quatro Estados-membros têm governos monopartidários».

Mas claro que não tem faltado quem conteste outra solução que não a que mais lhe agrada, como é o caso do inefável Nuno Melo, deputado do CDS, que já veio afirmar aos microfones da RDP que a «"Ambição socialista está a fazer mal a Portugal"» (esperando que todos esqueçamos o mal que a ambição neoliberal fez a Portugal neste últimos quatro anos), na mesma linha dum artigo de Diogo Agostinho que pretende fazer crer que o debate aberto em torno da formação do próximo governo se assemelha a um processo antidesportivo de querer «Ganhar na secretaria». É certo que António Costa deveria ter tido o cuidado de minimizar as críticas se tivesse optado por apresentar a sua demissão de líder do PS na sequência da vitória eleitoral da coligação PSD/CDS, tanto mais que quase seguramente os órgãos do partido o reconduziriam, pelo menos até à realização do próximo Congresso socialista, mas não é menos verdade que os argumentos apresentados em contrário são por demais fracos. Exemplo disso é a argumentação de Diogo Agostinho, que escreve sem pejo que: «O problema deste país sempre foi a perfídia na secretaria e o poder oculto. As eleições legislativas servem para eleger 230 deputados. No entanto, todos nós sabemos, servem também para escolher o primeiro-ministro», ignorando que este é um slogan que há muito os partidos do arco do poder e a imprensa que lhes é afecta não se cansa de repetir, mas que carece da mais elementar veracidade. As eleições legislativas, como o próprio nome indicam, servem para eleger uma câmara de deputados, não para a escolha do primeiro-ministro. Se assim fosse a eleição teria de decorrer a duas voltas (como sucede no caso das presidenciais) para assegurar que o eleito nunca o seria por uma maioria relativa.

Ao contrário, como enfatizam os conselheiros presidenciais, a solução terá que sair do quadro parlamentar e as opções parecem resumir-se a três: um governo maioritário formado pelos partidos do arco do poder (PSD/CDS e PS), um governo minoritário do PSD/CDS com apoio/abstenção do PS ou um governo minoritário do PS com apoio parlamentar do Bloco e do PC. O busílis é que na actual conjuntura de radicalização entre PSD e PS a terceira alternativa parece bem mais fiável e quiçá capaz de sobreviver durante a duração da legislatura.

Isto mesmo foi hoje muito bem explicado nas páginas do PUBLICO por André Freire, no artigo «Um governo de esquerdas, uma “revolução” democrática para Portugal», onde lembra que nenhuma coligação do PS com o PSD ou o CDS se traduziu em estabilidade, senão até à primeira oportunidade para ensaiar a mudança.

Cientes disso mesmo, os partidários do PSD e do CDS não conseguem disfarçar mais o incómodo que essa solução lhes acarreta. Repetem frases apocalípticas, do género da proferida por Marçal Grilo, um ex-ministro de António Guterres, que assegurou a quem o quis ouvir que «“O país está entalado. Governo à esquerda será um enorme desastre”», como se o governo à direita que tivemos pudesse vir a assegurar outra coisa que não mais da mesma contraproducente política da austeridade expansionista.
Claro que à excepção da formação dum governo tripartidário (PSD/CDS e PS) as opções de governo minoritário apresentarão sempre o risco de soçobrar às conveniências tácticas de quem lhe proporcionar a maioria parlamentar, mas quando a primeira hipótese parece seriamente comprometida pelo perfil e historial de inflexibilidade do anterior primeiro-ministro que até já vez saber que «"Talvez seja altura de pôr um ponto final" nas conversações com o PS», resta uma das outras duas e nesse caso parece, em teoria, mais sustentável um apoio do Bloco e do PC a um governo minoritário do PS que um apoio deste a uma versão minoritária do actual governo, em especial quando para sucessão presidencial se antevê um cenário de eleição de Marcelo Rebelo de Sousa.

Confirme-se ou não o anúncio onde a «Direcção socialista admite referendar acordo à esquerda» e o vaticínio de Sampaio da Nóvoa de que «“Cavaco deve aceitar as maiorias que sejam construídas”», os próximos dias ditarão o resultado. Não havendo margem para grande dúvida sobre o desfecho, fica a sensação de que algo parece estar a mudar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A AMARGA DELÍCIA TURCA

No passado Sábado ocorreu em Ancara, a capital turca, um atentado durante uma manifestação a favor da paz. Estava no início uma manifestação contra a guerra que grassa no leste do país entre o exército turco e os separatistas curdos do PKK, que fora convocada por várias organizações sindicais e contava com o apoio do HDP, Partido Democrático do Povo (pró-curdo), quando ocorreu o atentado.


Se as primeiras notícias reportavam que «Explosões em Ancara matam pelo menos 30 pessoas», pouco tardou para que a dimensão dos números e da chacina conhecessem outra dimensão com a notícia que «Pelo menos 95 pessoas morreram em duas explosões no centro de Ancara».


Naturalmente o governo turco já fez saber que o «Estado Islâmico é suspeito número um de atentado na Turquia» – tanto mais que semelhante acusação poderá constituir um excelente pretexto para uma intervenção da NATO na Síria –  mas noutra manifestação entretanto realizada pelos mesmos promotores era generalizado o sentimento que a responsabilidade deveria ser imputada ao AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) do presidente Recep Tayyip Erdogan; os defensores desta tese recordam que o país está em vésperas de novas eleições (depois de nas eleições de Junho o AKP ter perdido a maioria que detinha) e que já no decorrer da última campanha eleitoral ter ocorrido um atentado num comício do HDP, no que classificam como manobra daquele partido para conquistar os votos dos sectores mais nacionalistas. 

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

OS IMIGRANTES E A HIPOCRISIA

Qualquer pessoa minimamente informada não podia deixar de ter ficado preocupada quando esta semana leu que, em intervenções no Parlamento Europeu, «Merkele Hollande pedem mais Europa», tanto mais que houve até quem levasse a situação a um outro nível ao dizer que «Hollande e Merkel apelam à união para evitar "o fim da Europa"»!


A história recente e a urgência do apelo suscitaria a ideia duma agudização da denominada crise das dívidas soberanas, que quase levou a UE à implosão, mas uma leitura doutras fontes de informação terá prontamente tranquilizado os mais preocupados; afinal «Hollande e Merkel pedem mais Europa para lidar com a crise dos refugiados»…

Qual Grécia ou PIIGS! Como bem sabemos pela forma pouco solidária e particularmente autoritária como esta situação tem sido tratada, o que realmente assusta os líderes europeus e pode até evoluir para a implosão duma UE que se tem destacado pelo cuidado e a qualidade com que “acarinha” os cidadãos dos seus estados economicamente mais frágeis é a avalanche de imigrantes (menos de 500 mil por ano, que não chegam a representar 0,1% duma população europeia envelhecida e em decréscimo) que estão a chegar às suas fronteiras. A situação é tão dramaticamente preocupante para os líderes europeus que estes já falam na necessidade da revisão de regras obsoletas (como exemplo foi apontado o acordo europeu que regulamenta os pedidos de asilo – Convenção de Dublin –e que deverá ser tão obsoleta quanto as regras orçamentais que continuam a querer impor aos PIIGS) que nem sequer condenaram a violação grosseira do direito internacional quando num dos seus estados-membros a «Polícia usa gás lacrimogéneo e canhões de água para afastar refugiados na Hungria», enquanto se anuncia que a «UE paga a Erdogan para tentar travar os “milhões de refugiados” da Síria».

Diga-se em abono da verdade que se a Chanceler alemã privilegiou a questão da obsolescência das regras, o Presidente francês abordou a questão da instabilidade no Médio Oriente (Síria e Iraque) e no Norte de África (Líbia) e o papel que neles tem tido uma UE sem política de defesa comum. No fundo, e sem nunca o referirem especificamente, estariam a referir-se à questão dos “valores europeus”, mas porque nesta matéria (como no agudizar das crises que levaram ao aumento da instabilidade nas regiões fronteiras à UE) têm enormes responsabilidades ficaram pelo superficial deixando milhões de cidadãos europeus, magrebinos e árabes dependentes da hipocrisia reinante nos areópagos mundiais e entregues à sua sorte.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

O INFERNO DO NOSSO CONTENTAMENTO

Ainda em rescaldo eleitoral e quando se aguarda o desenvolvimento duma decisão presidencial que toda a gente conhece de antemão, mas, recorde-se, exigiu um esforço tal ao seu perpetrador que este esteve ontem (data da comemoração da Implantação da República) em abnegada reflexão, aproveitemos para uma rápida apreciação sobre aqueles resultados.


A vitória foi anunciada com pompa e circunstância, segundo a tradição, ao bater da hora de encerramento das urnas; a coligação PSD/CDS viu renovado o mandato para prosseguir a política de austeridade expansionista que longe de resolver (ou reduzir sequer) a dívida pública, tem servido para assegurar o aprofundamento dum modelo de distribuição da riqueza nacional claramente prejudicial para o factor trabalho.

Tanto bastou para que da “generosa” UE chegasse a notícia que «Alemanha e Eurogrupo vêem nas eleições o reconhecimento das políticas de austeridade», esquecendo convenientemente que PSD e CDS perderam cerca de 740 mil votos entre 2011 e 2015. Nada que altere o resultado final: a coligação de direita venceu as eleições, de pouco servindo as subidas de votação da generalidade da oposição (o PS teve cerca de 174 mil votos a mais, o Bloco teve mais de 260 mil votos e até o PC obteve mais 3 mil votos) ou até o aumento da abstenção que, contrariando as primeiras previsões, passou dos 41,97% de 2011 para 43,07%.

As razões para este resultado começaram já a ser escalpelizadas – desde a infeliz campanha dum PS que nunca conseguiu (ou quis) apresentar-se como uma verdadeira alternativa ao duo PSD/CDS e se deixou enredar em estéreis discussões sobre a responsabilidade da crise em detrimento duma clara desmontagem das políticas do Governo e das alternativas que poderia representar, passando pela habitual campanha de fixação de eleitorado do PC, ou a relativa novidade que foram as primeiras figuras do Bloco. Claro que, como em ocasiões anteriores, os meios de comunicação voltaram a encarregar-se de concentrar todas as atenções nos partidos do “arco do poder” e garantir a supremacia duma lógica da bipolarização particularmente conveniente para que algo pareça mudar enquanto tudo continua na mesma – mas a que talvez melhor explique o resultado final foi apresentada por Gustavo Cardoso, em finais de Setembro nas páginas do PUBLICO, no artigo «Portugal invisível e o medo do abismo».

A ser verdadeira a sua apreciação, terá sido o “medo” a condicionar o resultado final; o “medo” de mudar…, o “medo” do futuro…, o “medo” do medo…, ou até o mais medonho de todos os “medos”: o “medo” de tomar uma decisão!

O certo é que o “medo” e a proverbial incapacidade negociadora e de diálogo entre a classe política vai arrastar-nos para a formação dum governo sem maioria parlamentar, apoiado num presidente em fim de mandato e com um período de vida que poderá coincidir precisamente com a mudança que inevitavelmente ocorrerá em Belém. A provar a importância do papel presidencial estão as notícias que dão «Marcelo mais perto de ser candidato a Presidente», enquanto «Rio pode ir para o Governo».

Embora não seja adepto da ideia que uma vez mais a direita irá governar contra uma maioria de esquerda (para tal era indispensável catalogar o PS na “esquerda”, algo que a sua prática política regularmente repudia), a realidade mostra que enquanto o PSD e o CDS voltam a forjar as alianças necessárias para a sua continuidade no poder (o que quer que seja que isso signifique em termos de jogadas de bastidores e de acordos para a troca de “cadeiras”), a oposição à sua esquerda persiste em guerrinhas de alecrim e manjerona, sobrepondo os seus interesses particulares ao interesse geral da implementação de novas políticas que conduzam a generalidade dos cidadãos à melhoria das suas condições de vida.

A campanha para as eleições presidenciais que se avizinham será um bom barómetro da vontade de evolução dessas “esquerdas” e da sua (in)capacidade para estabelecer plataformas de ligação que originem uma única candidatura com condições para unir o que até agora se tem revelado desunido e com perfil de integridade capaz de recuperar a muito desacreditada função presidencial.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

NÃO É DESRESPEITO, É MESMO DESPREZO!

Quase a encerrar uma campanha eleitoral que conhecerá o desfecho na véspera de mais um aniversário da Implantação da República, apareceu a notícia que «Cavaco Silva falta às cerimónias do 5 de Outubro».

Conhecidos o perfil e o percurso político do actual inquilino de Belém, aquele que indignamente anunciou optar pela reforma em detrimento do salário da magistratura que ocupa, não será espantosa a opção, tanto mais que o Governo seu protegido já tinha retirado a data do calendário dos feriados oficiais.


Foi precisamente em reacção a mais esta indignidade que o insuspeito director da TSF, Paulo Baldaia, escreveu o editorial «Falta de respeito»:

«Domingo vamos a votos, segunda é dia da República. Nada do que vou escrever tem que ver com as eleições, tem que ver com a Democracia e com o que cada um de nós pensa sobre o valor que ela tem. Há regimes monárquicos que são democráticos e repúblicas que são ditaduras. Ser monarquia ou república não é sequer a questão crucial, o que importa é honrar o regime democrático.

Está em Belém, no palácio presidencial, um senhor que elegemos por duas vezes para ser o mais alto magistrado da nação. Escolheu-o o povo e não o pai e mãe dele, porque em 1910 decidimos que essa tinha de ser uma decisão colectiva. O soberano deixou de ser o rei e passou a ser o povo. Segunda-feira é dia da República, que já foi dia feriado, que agora é um dia comum e que no dia das comemorações nem sequer pode contar com o seu presidente. Já nem o povo que representa o chefe de Estado respeita.

Como quer o presidente da República que respeitem o apelo para que todos votem no domingo, se ele não respeita o cargo que exerce, alegando necessidade de se concentrar na solução que a meio da semana garantiu já estar tomada? Não se sente preparado Cavaco Silva para segunda falar ao país, comemorando o dia que lhe permitiu ser quem é, sobre solidariedade, responsabilidade, bem-comum...? Mais de cem anos depois do fim da monarquia, sua excelência ainda acha que um país pode ficar sujeito aos seus caprichos. Viva a República»

que traduz bem o estado de degradação a que chegou a política nacional.

Em acréscimo apenas justifica dizer-se, como Almada Negreiros, que se o Cavaco é português eu quero ser espanhol!

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

EMBALADOS (parte II)

A mais pura e desenfreada propaganda eleitoral não pode atingir os objectivos a que os seus autores se propõem (a reeleição), sob pena de continuarmos a ver agravadas as condições de vida da generalidade dos portugueses, situação bem expressa num dos indicadores tantas vezes glorificado: a famigerada convergência com a UE.

Desde a adesão àquele espaço económico que não tem havido governo que não assegure ter como objectivo a convergência da economia nacional com a da UE, mas a realidade – a dura realidade… – é a transmitida pelo EUROSTAT em resultado da comparação entre o PIB nacional a preços correntes e o da Zona Euro, que no seu início (2001) representava 61% para agora em 2014 ter caído para menos de 57%.


A comprovação do fracasso das políticas neoliberais é ainda comprovável quando observamos a evolução da taxa de desemprego, especialmente agora quando os dados mais recentes apontam par a inversão da tendência de descida e já é conhecido que a «Taxa de desemprego subiu para 12,4% em Agosto»; é claro que a subida foi de apenas uma décima (a atestar pela anunciada projecção do INE) mas é evidente que a tendência de descida (já muito criticada por análises mais cuidadas aos dados estatísticos) parece comprometida.

Embora sem grande divulgação nem objecto de tema da campanha, também foi recentemente notícia que o «Investimento público foi onde o Governo mais cortou em 4 anos», revelando não apenas o fundamentalismo sobejamente conhecido e expresso no dogma “privado, bom – público, mau”, mas principalmente uma forma clamorosa de comprometer o futuro do próprio País.

Mas não são apenas os indicadores económicos a porem em causa aquelas políticas. Também os indicadores sociais, como a percentagem de gastos com a saúde e a educação (para não falar numa segurança social particularmente afectada pelo elevado desemprego), são reveladores que para os defensores da corrente neoliberal o mais importante são o “lucro” e os “mercados”, nunca as pessoas. Isso mesmo ficou bem patente na redução da cobertura de apoios sociais como o rendimento social de inserção ou o complemento solidário para idosos, precisamente quando um recente estudo do EUROSTAT revela que «Um quinto dos portugueses com 65 ou mais anos corre risco de pobreza ou exclusão social» ou no aumento da proporção dos trabalhadores que auferem o salário mínimo, que durante a vigência do actual governo passaram de 11% para 20%.


No entanto, para quem participa na campanha eleitoral ou para quem dela faz notícia, nada disto parece relevante nem merecedor de divulgação ou comentário; assim, resta a quem decide o seu desfecho – os eleitores – rejeitar massivamente esta opção pelo estiolar de princípios e valores que deu primazia ao resgate do sistema financeiro em lugar dos cidadãos e que, invocando um dúbio conceito de honra, julga impreterível o pagamento da dívida mesmo contra a vida dos cidadãos.