quinta-feira, 13 de novembro de 2014

MULTINACIONAIS E FISCALIDADE

Embora sem constituir verdadeira novidade (há muito que a questão era falada), a notícia que na passada semana denunciou a existência de «Acordos fiscais secretos entre Luxemburgo e 340 multinacionais» não deixou de cair como uma bomba, especialmente por colocar o, ex-governante e actual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude «Juncker sob fogo cruzado por fazer do Luxemburgo um paraíso fiscal».

Há muito que a famosa atractividade do Luxemburgo era comentada e que argumentos como a sua centralidade geográfica ou até a veterania no processo de construção da UE (recorde-se que o Luxemburgo, juntamente com as vizinhas Bélgica e Holanda, integrou a primeira comunidade económica na Europa, o BENELUX), mais não faziam que sorrir os observadores avisados. Era claro que a atractividade dum território minúsculo (cerca de 2.500 Km2, sensivelmente metade da área do Algarve, e um pouco mais de meio milhão de habitantes) sem especiais recursos naturais mas onde campeia a intermediação financeira, não poderia resultar senão dum mecanismo artificial.

É claro que numa época onde o “leitmotiv” da gestão é a “criação de valor para o accionista”, tudo serve para aumentar os lucros e melhorar o bónus anual dos gestores; dizer-se, como o fez Rui Tavares na crónica «A solução está na cara» que «[o] escândalo não é só financeiro, mas moral», mais que evidenciar o problema traduz a essência dos responsáveis em quem temos delegado a gestão da coisa pública.

Quando a cupidez de gestores e accionistas das grandes multinacionais se conluia com políticos desprovidos de sólidos padrões éticos e morais, quando no sector financeiro passaram a pontificar os “banksters”, quando o embuste e a mistificação passaram a ser virtudes glorificadas e endeusadas como condição “sine qua non” para os CEO’s, dificilmente se poderia esperar outro resultado que não o de ver as economias e os sistemas fiscais transformados num jogo de pura batota.


A investigação realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), que denuncia claramente a evasão de milhares de milhões de euros, deixa poucas dúvidas quanto ao papel desempenhado por Juncker (primeiro-ministro e ministro das finanças durante largos anos) em todo este processo; a pressão tem sido tal que depois das primeiras reacções onde a nomenclatura de Bruxelas fez coro na estratégia de desculpabilização do novo presidente da Comissão (enquanto este declarava, sem pejo, que não tencionava demitir-se), ontem e numa completa inversão táctica (talvez tentando amenizar as críticas) até já «Jean-Claude Juncker admite ser responsável pelo golpe fiscal».

Neste caso vertente, como noutros, nada deverá acontecer aos responsáveis, pois a “investigação” que a Comissão não deixará de efectuar resultará, para tranquilidade dos crentes, numa inequívoca ilibação do seu responsável máximo que perante o Parlamento Europeu e «Acossado pelo escândalo do Luxemburgo, Juncker promete uma revolução fiscal».

Quando já se admite que o «Grupo da Esquerda Unitária prepara moção de censura contra Juncker», a cereja no topo do bolo da irresponsabilidade colectiva poderá até ser a informação que «Para a Bloomberg Juncker deve demitir-se da CE», pois conhecida como é a posição daquela agência de informação financeira contra a nomeação de Juncker (que define como um escolha dum Parlamento Europeu desejoso de reforçar os seus poderes) a iniciativa pode ser entendida como uma manobra de contra-informação e originar como reacção contrária a aclamação do prevaricador.

Muitos têm sido os casos de evidentes más práticas governativas, de abuso de poder ou de conluios diversos e poucos aqueles em que os responsáveis envolvidos revelam a dignidade mínima de se afastarem de funções.

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